segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Melancholia

Nunca pensei que melancolia tivesse algo a ver com o mito de Narciso. Melancolia é o desapontamento de Narciso ao ver que não poderia tocar sua linda imagem refletida no lago: sem poder tê-la, morreu vidrado no redemoinho que desmanchava o seu reflexo ao ser tocado. 

Não parece, mas eu sou melancólica. E eu, que bem gosto dessa melancolia, não me assustei quando a minha terapeuta me explicou a visão da psicanálise sobre esse sentimento temido à exaustão por um mundo que insiste em fazer o jogo do contente todo o tempo. Muito pelo contrário, me encantei ainda mais. 

Passei os últimos meses contemplando o redemoinho. Era (ou é) só tristeza: algo tão normal quanto alegria, algo que passa, mas parece ser um crime ficar triste, e não é. É um luxo ao qual eu me reservo quando algo não vai bem.

Por isso gostei tanto de Melancholia, o último filme do Lars Von Trier. O estado melancólico é exatamente aquela sensação de pernas paralisadas que acometeu Justine (Kirsten Dunst). E foda-se se é o dia do seu casamento, ou se o mundo inteiro diz que gostaria de estar no seu lugar e que você deveria estar feliz. A melancolia te abraça, te enrosca pelas pernas e quando elas travam, não tem que as faça seguir.  


No entanto, as coisas mudam diante de um perigo real. Na iminência do desastre, Claire (Charlotte Gainsbourg), sempre tão centrada, se desespera e Justine, sempre tão errática, sabe exatamente o que fazer. Ela que já tinha visto a Melancholia se aproximar tantas vezes, não se assustou e buscou dentro de si a força para suportar o fim. 

Dizem que a depressão é o mal do século. Pode ser, mas tenho para mim que o mal é justamente temer tanto a tristeza, fugir dela como se pudesse fugir do planeta Melancholia. Quando a tristeza bate, quando se vai às lágrimas, só nos resta entrar na nossa cabana invisível. Quem tem medo de tristeza não sabe que isso não tem nada a ver com desistir, muito pelo contrário: é caçar o último fio de força para sobreviver e jamais entregar os pontos. Sucumbir acontece com quem não aguenta o tranco da melancolia se aproximando e saber que não se pode fazer nada. A arrogância humana é tanta, admitir impotência é algo tão inadimissível, que há quem simplesmente não sabe o que fazer, quando não há mais nada a fazer. 

Isso não é só uma metáfora de cinema. Há que se ter pernas fortes para aguentar a vida. Porque estar vivo dói, até quando é bom. Além do mais, não é qualquer soco no estômago que vai me fazer beijar a lona. 

E para quem teve pernas para subir e descer mais uma Colina Melancólica, aquele abraço!




quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Três de Espadas


Três sabres afiados
Cravados no peito sem anestesia.


O lombo já não sangra mais, a carne está seca.
Correndo pela arena,
Já não tem mais graça meter os chifres no toureador.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sonho de um sonho 2.0

Há tempos não falo diretamente com vocês que me leem, eu sei. Ando preferindo o discurso indireto, não quero mais falar nada. Deixo que a dor fale por si mesma, deixo que ela cante, grite, role no chão. Não dá para racionalizar este discurso, se isto for mesmo um discurso. Eu queria mesmo era dormir e já acordar em outro ano, outra vida, e que o passou antes fosse tido como uma alucinação, o sonho de um sonho ruim.

Aliás, para que servem os sonhos? Diz o Segismundo que os sonhos, sonhos são. Não necessitam de porquê. Quando a realidade é muito dura e não se consegue olhar diretamente para ela, olhe para seus sonhos. Foram eles que me salvaram de um tombo maior. O que me dói é justamente é esse contato cru com a realidade. Lucidez pura enlouquece. Bem fazia Raulito em misturar a dele com a sua maluquez. 

Falando em sonhos, vou compartilhar com vocês algo que parecem estar procurando.


O segundo texto mais acessado deste cafundó é Sonho de um sonho, mas o texto que ele apresenta é feito de partes do poema original. Era a minha versão deste poema, ou melhor, da Susi, que anda mais viva do que nunca nestes últimos tempos. 

E olha que engraçado, ele agora me retrata inteiro, que acordei que estava sonhando, que queria sonhar mais, que queria que esta realidade bizarra fosse de fato o sonho. Certas coisas nos esperam a vida toda. O Drummond, este livro, este poema, tudo. 

De: ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
(Está no livro Claro Enigma). 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pedro Rocha – A manteiga derretida mais dura na queda do mundo

Eu era como Pedro, o apóstolo xará: primitivo, turrão, porém havia em mim um coração enorme. Só que não encontrei nenhum Cristo para seguir, então, segui em frente. Troquei o tênis pelo mocassim, a mochila pela pasta e me tornei corretor. De imóveis. Vendi tudo que via pela frente: quitinete, mansão, casa na praia. Ganhei uma grana razoável para estudar e me tornar o mesmo executivo detestável que era o meu patrão. Contudo, eu era jovem ainda, não estava tão preocupado assim com meu futuro. Esse papo de faculdade era mais pra dourar a pílula e manter o meu emprego.

Típico machista idiota, de tanto esquecer meu próprio coração, esqueci que as pessoas têm sentimentos. Mulheres, principalmente. Preconceito bobo esse, porque homens também sentem, mas o fato é que antes do que me aconteceu eu sinceramente acreditava que homens não choravam.

Como num conto dos irmãos Grimm, me apaixonei por uma princesa e, de tanto pisar no seu nobre coração, ela tornou-se sapo ao invés de me transformar em um. Do contrário, passei a ter peitos e sangrar mês a mês e mais do que corpo, me deu mente e coração de mulher. Fui amaldiçoado. Tornei-me objeto do meu próprio desejo e o cartão de crédito não resolvia esse problema.

Entendendo meu objeto de desejo é que começou a penosa volta ao verdadeiro Pedro Rocha, a manteiga derretida mais dura na queda do mundo, de tênis e mochilão nas costas, durango e insatisfeito.

Essa princesa me fodeu. Mas ela jura que foi pro meu bem.

Janeiro de 2005


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sexo

Cada dia mais admiro a quem resiste à passagem do tempo. Não como um fóssil ou peça de museu, eternamente saudoso, eternamente nostálgico ou celebrando canções do passado, e sim como um produto da contemporaneidade. Também tenho desconfiado bastante dos mitos póstumos. Morrer aos 27 e ficar eternamente jovem é fácil. Quero ver é ficar velho, ainda tendo lenha para queimar. A velhice não é um lugar para medrosos. 

Há algum tempo, estou devendo um textículo para o Tremendão. Ele tem me perseguido, e tenho gostado disso! Desde quando assisti a um show dele no SESC Belenzinho com meu pais em maio, ocasião em que ele não se furtou de deixar o público contente com clássicos como Festa de Arromba e Fama de Mau, mas também mostrou que seu caldo não é comida requentada de geladeira, tocando o então álbum mais recente, Rock n´Roll. Nesta feita, ele aprontou uma que foi sensacional. Lá pelo final do show, tocando Cover, eis que aparece para uma participação especial o sósia do seu amigo de fé-irmão-camarada, Robson Carlos, distribuindo rosas e tudo! Sem-querer-querendo, acabou mostrando de uma maneira bem sapeca que não está à sombra do seu amigo-mito (que faz um show muito bom, mas só com clássicos) e que fica muito à vontade como parceiro do Rei! Tremendão sabe do próprio molho. Há que ser muito seguro de si para tamanho bom humor! 


Recentemente, ele lançou outro álbum só de inéditas, Sexo. Que fôlego, hein, Tremendão! E desde que o tenho escutado fico procurando adjetivos para ele, o que já se mostrou inútil. Falar do ato em si sem rodeios, como em Kamasutra, sem cair na vulgaridade logo na primeira faixa, já é genial. E como se isso fosse pouco, no decorrer do álbum as canções adquirem outras texturas desta dança insana que move a humanidade desde que sacanagem existe no mundo. Roupa Suja, não dá nem pra explicar. Tento, mas não consigo. Se tivesse existido antes, teria me poupado um bom tempo de terapia. "Vai ver se eu tô na China, não volte nunca mais!" teria resolvido tudo muito mais rápido. 


Sem contar que nada como o tempo para refinar o nosso gosto. O bad boy metido a besta que já cantou "Ir ao cinema é uma coisa normal, mas eu tenho que manter a minha fama de mau" ou "homem tem que ser durão", agora canta "Só pra não levar porrada/ Pra não pecar por distinção/Confundi elas por elas/Santas ou não". Para os inconvenientes do passar do tempo, existe uma pilulazinha bem acessível no mercado, agora para babaquice, meu bem... Não tem remedinho azul não! Só tempo e experiência, e olhe lá! Só adianta se bem aproveitada. Ele mesmo diz isso aqui

Eu, que geralmente assino embaixo quase todas as coisas loucas e sensatas que o Skylab escreve, tenho que discordar redondamente dele no que ele disse sobre Erasmo e Roberto*:

"Bem, como vocês todos sabem, o rei está muito bem conservado. Sua voz permanece cristalina, apesar da idade. É super exigente, não erra, e teve o bom gosto de escolher suas melhores músicas para o Maracanã. Ao contrário de Erasmo. O seu amigo de fé camarada está velho, careca, sem voz e parece doente. Quando o rei olhou seu amigo é como se tivesse deparado diante do espelho. Aquele par não apresentava uma homologia, havia uma discrepância. O par não combinava. O espelho refletia uma imagem diferente do rei, como se em lapsos de segundo, Roberto tivesse compreendido a máscara e o real. "

A Roda da Fortuna ainda gira para este Tremendão, que não sentou no trono dos seus clássicos, como tem feito seu amigo-rei há anos. Ele não parece estar fazendo esforço para ser contemporâneo, simplesmente tem sido.  Então eu, que não feito, mas que tenho escutado Sexo à exaustão, não vou me furtar de dizer o que o caro colega do Eu Ovo quis dizer e depois ficou se explicando: Sexo com o Tremendão é ótimo! Bom para o corpo e para a alma! 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Rock Brasília

"É para um dia a gente contar a história da nossa turma."

Adoro histórias. Contá-las, ouvi-las. Uma, duas, dez, oitocentas vezes. A oralidade me encanta desde que me entendo por gente. Os causos do meu avô, as piadas da Dona Irene, do meu pai, as minhas próprias pataquadas da adolescência e início da idade adulta que adoro contar, recontar, rir delas quantas vezes me der vontade.  



Só por isso, já me conquistaria Rock Brasilia - Era de Ouro. Confesso que só não gostei muito desse subtítulo. É piração minha ou este "Era de Ouro" engessa o furacão que bagunça meus cabelos até hoje? Deve ser mesmo excesso de análise e opinião da minha parte. Vladimir Carvalho, em entrevista à TV Brasil,  fala sobre o processo de criação do documentário, que começou lá nos final dos 1970. Pegando carona na metáfora, ele estava no olho do furacão - era professor da UnB - e soube reconhecê-lo no momento. É por isso que Rock Brasília não tem cheiro de naftalina, com gente saudosa falando de um passado longínquo. Tá tudo na carne, hoje. O grito do Planalto Central ecoa em nossos ouvidos agora mesmo.



Tudo isso é a parte conhecida, é um pouco óbvio demais que eu gostaria deste documentário, sendo que não só Legião que fez minha cabeça, pele e nervos desde a adolescência. O surpreendente - ou pelo menos, desconhecido até então para mim - é a visão de dentro do furacão de momentos-chave de destas trajetórias,   como o fatídico show da Legião Urbana no estádio Mané Garrincha - onde um bando de antas brasilienses identificaram o status quo na figura do Renato e da Legião e os atacaram, literalmente. Não sei se consigo captar a dor que este engano causou em toda a sua dimensão, mas conheço muito bem o sentimento mais do que amargo de fazer o diabo para conseguir um lugar ao palanque, com a ingênua ideia de subverter a ordem com o microfone "deles" na mão e ser identificado como um aparelho do sistema. Gente burra, mais do que raiva, me dá medo.

E a pegada "Pais e filhos" do documentário não é nem um pouco forçada, afinal essa galera é mesmo filha da Revolução! Filhos de diplomatas, professores universitários, funcionários públicos, eles foram os responsáveis diretos por tudo isso, acenderam a banana de dinamite sem nem se dar conta disso. Quem mandou se mudar com a família para o meio do nada, com um bando de moleques loucos por música sem xonga nenhuma para fazer, bem no final da ditadura militar, com o punk rock pegando fogo na Inglaterra? Agradeço-os imensamente por isso!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O patriarcado segundo Agostinho Carrara

Cena1
Bebel: Qual o problema de ser olhada?
Agostinho (exaltado): Não gosto! Não gosto! Não gosto de vagabundo olhando a mulher da gente, que isso!
(...)
Bebel: Quer dizer que a gente nunca mais vai à praia? (Olha para seus novos seios siliconados)
Agostinho: Maria Isabel, não tenho culpa, a gente vive num mundo em que as pessoas estão degradadas moralmente... (Exaltando-se ainda mais) Vagabundo não respeita mais a mulher dos outros! ´Cê tá com a sua mulher, nego olha pra ela, olha dentro dela! Lá de onde eu vim isso é coisa inadmissível! Não tem mais condição de ir à praia não!
Bebel: Escuta aqui, neguinho: não sou cuscuz pra morrer abafada, hein? Pronto, falei! (Levanta, estufa ainda mais o peito, e sai rebolando)


Cena 2

(Bebel tomando sol no quintal de casa. Um bando de marmanjos olhando)

Bebel: Acontece, neguinho que o corpitcho é meu!
Agostinho: Não é não! É nosso! Nós casamos em comunhão de bens, metade é meu!
Bebel: Isso diz respeito aos bens materiais, não ao meu corpo!
Agostinho: Mas, Maria Isabel, acontece que eu considero que certas partes do seu corpo são bens materiais meus!
Bebel: Tá falando de que? Do meu silicone, é?
Agostinho: É, tô falando dos 120 ml de silicone, que eu tô pagando em 36 vezes, tenho direito de não querer que marmanjo usufrua de um investimento que fui eu que fiz!



Cena 3:

Agostinho: É território! O que é dele, tem que limitar! Tem que lutar pelo o que é dele, ficar alerta, ficar de guarda, senão, vagabundo toma posse, entendeu? Toma posse! Vagabundo chega junto!

Que Simone de Beauvoir que nada! O filósofo do horário nobre Agostinho Carrara (Pedro Cardoso) sintetizou a posse do corpo feminino enquanto território do macho como ninguém, explicando o conceito e demonstrando! E ainda há quem tome as discussões de gênero como coisa de feminista ultrapassada.




Lineu Silva (Marco Nanini), quem diria, também não fica atrás. Enquanto sua esposa estava cantando como hobby, tudo bem, agora quando ela começa a gostar da brincadeira e a virar profissional, hum, não vai dar, não! Começa a se deslumbrar com o mundo, com o próprio sucesso... Isso chama a atenção de outros homens.





Assistir a Globo para esperar a transmissão da Record do voleibol feminino também enriquece meus estudos – amadores – sobre a questão de gênero.  Aliás, não sei por que tanto me espanto. Mídia serve para isso mesmo: criação e reiteração da norma. Onde está a surpresa?

Não sei porque também me surpreendo com o final. Dentro do ônibus, ao perceber um olhar de cachorro-olhando-frango-de-padaria de um malandro em sua direção, Bebel olha para Agostinho e diz: “Você não vai fazer nada, neguinho?” Quem primeiro contribui com a reiteração da norma são, em geral, as próprias mulheres. 



O mais engraçado de tudo isso é que o tiro sai pela culatra. Agostinho esquece toda sua cabra-machice ao encarar o marmanjo que estava olhando a sua mulher, que era duas vezes maior que ele, um autêntico sibito de lagoa de tão magricela. Não dá para levar este mundo a sério mesmo! Ainda neste século, tudo que a mulher ainda não conseguiu é ser dona da sua própria voz.

sábado, 15 de outubro de 2011

Aos alunos, com carinho

Esta cambalhota é para o poder ultrajovem 

Todo ano eu penso em escrever no Dia dos Professores, mas nunca faço, por vários motivos. O primeiro deles é o cansaço. Outubro é o mês da ladeira da preguiça, quando ela fica mais inclinada, perto do topo. O outro é que modestamente penso que nós precisamos de respeito e não de homenagens, apesar de agradecer todo o carinho dos meus alunos, que brigam para apagar a lousa e carregar meu material todo santo dia (risos); dos meus colegas, principalmente aqueles que não perdem o bom humor frente à árdua ralação dentro e fora da sala de aula e da minha família, que ainda se orgulha de ter uma professorinha no clã. O terceiro é que durante o ano inteiro, meu ofício me instiga a escrever. Para quem nunca provou textículos, tente o marcador Educadora em Chamas ou Professorinha para comprovar o que estou dizendo. 



Pensando melhor, tenho mais motivos e mais convincentes para fazer este textículo do que para não fazê-lo. O papo é diretamente com meus alunos. O negócio é com vocês, molecada. Esqueçam aquela conversa de futuro. Educação não é para o futuro, é para o presente. Se existir algum futuro, será consequência. Esqueçam também aquela ideia de que vamos ensinar alguma coisa para vocês. É muita pretensão da nossa parte acreditar nisso. Aprende quem quer aprender, e ninguém aprende sem se colocar a mão na massa, sem dar a cara para bater e isto, nós, os professores, não podemos fazer por vocês. O máximo que nós podemos fazer é indicar caminhos, e nenhum será atraente para todos ao mesmo tempo. E o melhor que vocês tem a fazer é ao menos olhar nas direções que a gente aponta. Só assim vocês vão descobrir o que gostam de fazer e o que fazem melhor. 

Professores, em primeiro lugar, são seres humanos. É prerrogativa nossa errar. Professores não são pais, nem mães (pelos menos dos alunos), nem psicólogos - a não ser que seja professor de Psicologia! - nem juízes ou delegados (com alguma sorte vocês podem encontrar alguns em faculdades de Direito). O Magistério é um ofício, nada mais do que isso. Não é sacerdócio, nem martírio. Perde-se muito tempo confundindo as funções, criando um desgaste horroroso e desnecessário. Por isso tantos colegas enlouquecem - de verdade. A carga emocional é mais pesada que a intelectual e nas licenciaturas (cursos  para formação dos professores), só se fala, lê e pratica questões a respeito da segunda e não se fala NADA a respeito da primeira, talvez porque não seja mesmo o nosso ofício ser madres-teresas-de-calcultá e mahatmas-ghandi da Educação. 

Então, ô garotada! Parem já com esta palhaçada de colocar seus professores ora no pedestal, ora na ante-sala do inferno, porque a gente é normal - e de perto ninguém é! O poderzinho que nós temos na mão é como as forças armadas da Suíça, não serve pra nada! Se obedecer é chato, mais chato ainda é ter que ficar mandando. E além do mais, tenho o direito de ter prazer em fazer meu trabalho, porque Educação, pelo menos para mim é isso - descobrir possibilidades, talentos, habilidades, e tudo isto é diversão para mais de metro! Vou ter marcado o gol de placa da minha vida toda se vocês aprenderem a cultivar este gosto também, porque foi por isso que me tornei professora - por um amor tão grande ao conhecimento e ao ser humano. O resto são papéis, e isto o vento leva. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eric Clapton

Como se fosse a sala de casa!
Estive no show do Clapton no último dia 12. Antes eu me perdia em um milhão de coisas desnecessárias, como por exemplo, pegar set list do show antes, e depois, ler as críticas. Ah, as críticas. Larrosa tem razão: padecemos de excesso de informação e opinião. Geralmente, não se aproveita nem 10% do Festival de Bobagens que o povo fala e que a mídia veicula. 

Saca só: estávamos no show do Eric Clapton, conhecido como DEUS da guitarra. Não é rei, não é mestre, precisamente deus. Até eu, que sou falastrona, me calo diante de um deus. Mas sempre há um entendido para cuspir informação inútil. Diante de um solo nas primeiras do show, um ser me solta um: "Que feeling!" Não é uma das piores que eu ouvi na vida, mas dava para passar sem essa. Cala a boca e escuta, ô infeliz! 

Andaram reclamando que ele não fala com o público. Isso é coisa de gente carente e desavisada. Se querem um entertainer, que tentem os animadores de auditório. Há também shows de stand-up feito por pseudo-comediantes de péssimo gosto que só sabem fazer piada de gordo e loira de primeiríssima linha pululando a cada esquina. Eles animam à beça, ó!

Artista agrada com a sua arte, não fazendo sala. Depois de tantos anos com a guitarra em punho, para que falar? A guitarra fala, grita, geme, sussurra por ele, não é necessário mais nada. 



E ao final, as críticas. Graças ao Barbudão, dispensei essas muletas para construir meu gosto. Mas ainda me reservo a ingenuidade de me indignar. Dizer que Gary Clark Jr. - guitarrista que fez o show de abertura era ruidoso e exagerado é um pouco demais. Quer botar defeito no show, fala que o telão pifou, que não se achava o local para se retirar os ingressos porque a comunicação visual não estava comunicando nada,  e que por sua vez os funcionários não passavam nenhuma informação corretamente, que o preço das bebidas e comidas era extorsivo... São defeitos de verdade, nem é necessário inventar.

Este show poderia ter rolado num estádio de grande porte como o Morumbi ou num boteco obscuro. Poderia ser o deus da guitarra, ou um tiozinho inglês de 66 anos que toca um blues desde que se entende por gente. Não mudaria muita coisa. Num lugar daquele tamanho, e todo mundo tão catatônico (e quieto) que o áudio dos vídeos está perfeito - fora quando eu resolvi cantar Layla, mesmo rouca.

À parte todos os rótulos, o que fica é a música. Nada mais importa, para quem a ama de verdade. Só quem estabelece uma relação direta com ela, sabe do que estou falando. Coisa de viciado em grau máximo.

Para os que amam a música do fundo do seu baço é que eu dedico esta cambalhota! 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Solar

                                                            Para meus cachorros

Quem sabe também não estejamos lá
Eu e meus cachorros, 
Às seis horas da tarde, no Viaduto do Chá
À espera do ocaso, se acaso ele chegar.

Trouxe Pozzo e Lucky na coleira, mas nem precisaria.
Eles não avançariam em você nem por um afago, estão tristes como o quê.
Não latem mais, rabos retraídos, a tigela de comida intacta.
Parece até que descobriram que não enxergam em colorido.

Pôr-do-sol no centro da cidade, mas que bobagem.
Só você mesmo para ter uma ideia dessas.
Como se Sol não fosse Sol em qualquer lugar do mundo,
Como se ele só se pusesse em São Paulo.

Esperar o Sol se por é pior que esperar Godot
Ele nunca chega, é justamente o oposto:
Poente é sempre partida. E disso eu entendo
Que estou sempre esperando, que estou sempre de partida.

Você é tão engraçado! Age como um semideus.
Acende um cigarro e pronto,
Procurar sentido é coisa para mortais.
Deixa isso para bestas melancólicas que levam cães para passear como desculpa. 

Você e seus cigarros, eu e meus cachorros.
Não dá valsa nem samba,
Ninguém dança de armadura.                                     
Cada um com seus escudos, paralelos, absurdos.

E quando a noite chegar? Eu fico me perguntando quem vai levar Godot para casa.
Mas é claro que estou variando.
O Sol, Godot, você e até meus cachorros,
Todos já se foram.

Agora, tudo são cadeiras vazias e uma noite sem fim.
Entretanto, sem esperar por mim, novos dias sempre chegam.
Então, antes que eu de fato enlouqueça,
Em vez de pôr-do-sol, é melhor que amanheça. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Desdobramentos da visita do Ministro

Já se passou mais de um mês desde que o Ministro da Educação, Fernando Haddad esteve na Comunidade Nossa Senhora de Fátima, no Jardim Elisa Maria. Até parece que não houve desdobramentos nesta história, o que felizmente não é verdade. Eu é que não dei conta de transmitir a notícia, mas como o movimento segue com a sua marcha, não é tarde para falar sobre isso, até porque não vamos encontrar nada sobre este assunto na primeira página de um jornal de grande circulação. Se encontrarmos, vai ser críticas. Pobre estudar, para que? Escola pública de qualidade? Para quem? 

Manhã de sábado fria, chuvosa, chatinha para deixar a cama cedo, mas muita gente não ligou para isso. A comunidade estava lotada, e assembleia pacientemente esperou uma hora a mais que o combinado.  Nem tudo eram flores à espera da visita do ministro. Grevistas do Ensino Federal marcaram presença com um protesto silencioso, apontando para vários problemas que de maneira alguma devem ser ignorados. 

E a quem mais interessa o acesso a vagas de ensino técnico e superior, estava lá e fez bonito. Camila não pensou duas vezes. Olhou bem para a cara do senhor ministro e disse, sem pestanejar, que quer estudar para ter a chance de estar no lugar dele no futuro. O que de fato prova que esta conversa mole de juventude alienada é mais velha que andar para frente. Não era todo mundo. por exemplo, que tomou borrachada e choque elétrico nos Anos de Chumbo. Uma parcela da população jovem, nestes mesmos anos, estava tranquilamente descendo a Rua Augusta a 120 por hora, tomando hi-fi com Gini Crush e dançando um twist, nem aí com a Light, enquanto o pau comia Brasil afora.   



E por fim, a fala de Haddad, que anunciou que a Brasilândia será beneficiada com o Pronatec. O objetivo do movimento agora é a escolha do local onde a escola será construída. Uma das coisas que particularmente eu gostei no discurso do ministro foi ele ter ressaltado a importância de que esta escola tenha um projeto pedagógico condizente com as demandas da população, que dialogue com a realidade do bairro. Se isso realmente acontecer, maravilha. A Educação terá, enfim, servido para alguma coisa séria. 



No Portal do Ó e no blog do movimento tem mais alguma coisa sobre. E como eu já disse, a marcha segue. Estou mantendo contato com Marcos, colega professor e ativo neste movimento, que tem me trazido informações frescas sobre o assunto. No último dia 26 recebi dele o convite:

Queridos amigos,

Escrevo para lembrar a todas e todos que remarcamos a reunião do movimento para o dia 1º de outubro às 14h00.


O local será o mesmo da reunião anterior: EMEF Padre Leonel Franca - Estrada das Taipas altura do nº 2500







Seria importante todos priorizarem, ainda que seja para ficar um tempo apenas na reunião, pois nesse dia teremos os folhetos que todos deverão sair com um punhado para ajudar na mobilização para o seminário.

Sugestão de pauta:

1 - Balanço e avaliação dos últimos dias
2 - Terrenos
3 - Seminário: 22 de outubro
4 - Outras questões

Qualquer dúvida ou proposta, é só responder para todos e pôr em discussão.



Bjo e abraço fraterno

Marcos Manoel



Repasso o convite, e se eu conseguir sobreviver à prova do inglês, quem sabe vocês não me veem lá! 





segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Metaleira, eu?

Engraçado que algumas coisas passam e outras sobrevivem na vida sem pedir a sua licença. Pois é, até eu tinha me esquecido que gostava de Metallica. Banda que me remete a tardes vagabundas na casa da Carol e do Juninho, quando a gente passava horas e horas escutando o Black Album e outras pérolas noventistas, como o Dookie do Green Day, ou Melancholy and Infinite Sadness, do Smashing Pumpkins. Ou ainda sábados na casa da Priscila ouvindo os discos mais antigos do Metallica como o Master of Puppets ou And Justice for All. Mas nostalgia é uma gripe que não me dá mais. Não sinto saudade de mais nada, não lamento mais nada. Para que se apegar a tantas lembranças?


Não sei que milagre aconteceu para a Globo transmitir o show na íntegra, sem aqueles cortes horríveis que ela costuma fazer até em show do Brasa. Não sei que outro milagre ocorreu para eu assistir o show inteiro, sem dar uma cochilada sequer. Na verdade, eu sei. Foi um puta showzaço!


Aí me dei conta: Metallica é uma banda balzaquiana, só um ano mais velha do que eu. Nem no auge, nem decadente, na confortável posição de não ter mais que provar nada para ninguém. Fez umas bobagens na vida - o Load inteiro foi limado deste show sem fazer falta, e do Reload, só foi tocada a única música que presta, Fuel. Não abusaram de hits o tempo inteiro e fizeram um line-up não linear, o que eu gostei bastante. Prova de que o tempo que passa se mistura com o de agora, e ainda com o que está por vir. Não sei o que me espera, e que eu deixei para trás era excesso de bagagem. Viajante que se preza, só carrega o essencial.



No, je ne regrette rien! Só eu mesma para começar falando de Metallica e terminar com Piaf. E daí? 

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ellington´s Song

Para quem, entre outras coisas, foi
Beata, roqueira, comunista, blogueira,
Heroína sentimental autoproclamada
(Ou talvez, só um arremedo cômico de tudo isso)

Não passar de uma garota
Alérgica aos cuidados que sua idade começa a pedir
É mais do que suficiente.
Das aventuras e trapalhadas,
O que ainda resiste, de maneira camaleônica,
É só esta retumbante, faraônica
Fome de vida.


Eu não quero comida, eu quero mesmo é a fome.

É o Enigma de Kaspar Hauser, outra vez.
No meio da madrugada,
Da vitrola brota um jazz.

Filme de Mulherzinha Ataca Novamente

Está provado cientificamente: comédias românticas podem estragar a sua vida. Mas eu, particularmente não estou nem aí. Quando nasci, cinto de segurança não era obrigatório e merthiolate ardia e ainda assim, estou viva, vivinha. Da Silva, Teodoro Alves, o que quiserem. Acreditem!

Tentei me recuperar, mas é inútil: o dano cerebral causado pelas comédias românticas noventistas estreladas por Meg Ryan, Renè Zellwegger, Julia Roberts e afins é acumulado. Já era, meus miolos foram indiscutivelmente carcomidos. Só restou o coração, que sem um pingo de vergonha na cara, ainda pulsa: bridget-jones, bridget-jones. Happy-end, happy-end. 

Além do mais, comédia romântica pode até estragar uma vida, mas não um blog. O textículo mais acessado deste faroeste é a resenha sobre Falando Grego, da Nia Vardalos. Aqui, elas até ajudam!

Anos depois, adicionando uma licencinha poética para o festival de bobagens que lhe são devidas, vejo que comédias românticas tem lá suas pilulazinhas de sabedoria. Tolas, inocentes, mas ainda assim válidas, verdadeiras em sua tolice. 

Como Medianeiras, Buenos Aires na Era do Amor Virtual. Em se tratando da ideia de discutir cultura digital, é uma ótima propaganda para os produtos da Mac. De tão escancarada, nem parece merchandising. Parece peça publicitária mesmo, na cara-larga. 


Gosto de filmes em que cidades são personagens. Uma Buenos Aires contemporânea, pós-crise, de longe é a personagem mais fascinante. A protagonista é arquiteta, e é dela que vem a metáfora das medianeiras, aquele lado dos edifícios que não serve para nada, a não ser para abrigar propaganda e limo. Como nas pessoas, expõe o lado mais frágil, feio e vulnerável de construções que precisam se fazer sólidas e fortes. Abra uma janela na sua medianeira, mesmo que ilegalmente. Deixe entrar luz no seu apartamento, vai te fazer bem.

Também gosto de gente neurótica nos filmes. Mitigam minha vergonha. Além do que são muito mais verossímeis: Mariana taca coisas na parede, chora por bobagem e carência, fuma mais que preto-velho no terreiro. Martin é fóbico, hipocondríaco, insone, atrapalhado. Leve seus cachorros para passear, mesmo que eles sintam medo. Eles precisam se acostumar com outros cachorros. 


Se toda essa firula ao final vendesse só iPod, eu até perdoaria. Foda é vender a ilusão de um amor único perdido na cidade, vestido com uma blusa listrada de vermelho e branco, óculos e gorro à sua espera, prontinho para ser encontrado. Se você começar a procurar onde está o Wallie com 14 anos, quem sabe você o encontre aos 30! Mas use uma lupa, porque isso é trabalho para mais de metro. 

Procurar Wallie é uma tarefa muito difícil para míopes não operados como eu, então fica para outro dia. Não comprei a ilusão, mas me diverti com a conversa mole do vendedor. Atitude típica de 1984, um duplipensar para esquentar as turbinas. Porque só agora posso começar a abrir um vitrô na minha medianeira, sair com meus cães assustados por aí. Spring is coming! 

domingo, 28 de agosto de 2011

Quando seu cheiro entrar de vez na minha pele


Quando seu cheiro entrar de vez na minha pele,
Vou leva-lo para passear.
Deitar em outras camas, provar de outros falos.
Para que você também prove de outras texturas, outros colchões.

Quando seu cheiro entrar de vez na minha pele,
Feito pomba-gira enfurecida vou rodopiar
Mais, mais e ainda mais
Para que ele, de uma vez por todas, se dissipe.

Quando seu cheiro entrar de vez na minha pele, vou fazer de tudo para ele sair.
Tomar banho de cachoeira, me vestir de freira, talvez de palhaço.
Quem sabe eu não o espante a base de escárnio?

Alecrim, canela, gengibre, baunilha, rosa branca.
Quando enfim seu cheiro sair de vez da minha pele,
O meu é que vai cair no mundo!



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ministro da Educação visita região da Brasilândia para anunciar programa de expansão das escolas técnicas e Universidade Federal


Exibir mapa ampliado

Eu moro neste bairro há 25 anos e há pelo menos quatro também trabalho nele. Logo, não posso me furtar a divulgar este evento, apesar de não estar envolvida no movimento que resultou nele. Conheço quem está envolvido neste movimento, que tem consistência e a informação é quente.


O deputado estadual Simão Pedro irá acompanhar, no próximo sábado (20), a visita do Ministro da Educação, Fernando Haddad, à Comunidade Nossa Senhora de Fátima (região episcopal da Brasilândia). A convite do Bispo Dom Milton Kenan Jr, Haddad irá ouvir as demandas de sua pasta - educação, além de conversar sobre a criação de uma Universidade Pública na região Norte / Noroeste, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e a expansão das escolas técnicas.
A expectativa é que mais de 300 pessoas das subprefeituras da Brasilândia/Freguesia do Ó, Perus/Anhaguera, Pirituba/Jaraguá e parte de Casa Verde e Cachoeirinha compareçam neste evento.
O quê: Fernando Haddad na Brasilândia
Quando: 20 de agosto (sábado)
Horário: 10h
Local: Comunidade Nossa Senhora de Fátima – Rua Rômulo Naldi, 68, Jardim Elisa Maria 



Dispensa comentários, mas eu vou fazer. Mestres, doutores, mestrandos, doutorandos, e quem mais for: isto é chance de mais emprego, mesmo que esta universidade não lhes interessem de maneira direta. Para quem mora no bairro, nem se fala: a Brasilândia é um destes lugares que o mundo esqueceu, digo o poder público. Mas para ter visibilidade, o povo tem que se manifestar! Na minha cabeça dura idealista, era para este evento estar lotado de professores que trabalham por aqui na base do giz-lousa-e-saliva todos os dias, que são ameaçados, que correm riscos de vida, que precisam conviver com o tráfico, e todas estas coisas que estamos cansados de saber. Mas já cantei a bola aqui na escola, de onde eu escrevo, e a pouquíssimas se interessaram. Será mesmo que estamos insatisfeitos? Insensato Coração e quem matou a Norma é muuuuuuuuuito mais interessante. 

Só sei que eu estarei lá. Como diria Chapolin Colorado: sigam-me os bons! 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Sobre o tempo II

Enquanto a maioria ainda insiste em esticar seus cabelos para baixo com ferro quente, ela se ocupou em levantar o seu num legítimo beehive casa-de-maribondo. Enquanto uma meia-dúzia de louras-aguadas ainda insistem em poses sexy com dedinhos fake na boca;  sua cabeleira, negra e revolta, fez questão de ir na contramão. Enquanto os nossos, com iPads na mão e notícias em tempo real,  ainda desejam ser antenados com seu tempo, ela voltou aos 1950´s e se travestiu de diva da Montown. Enquanto um monte de gente ainda faz inúmeras tentativas - frouxas, ridículas e sem sucesso - de serem cada vez mais e mais  fitter, happier, more productive* (à base de academias, livros de auto-ajuda, dietas frustradas e Prozac)  tentaram faze-la ir para a reabilitação. A resposta a gente já sabe: No, no, no!





Este desejo de ser contemporâneo é mais velho que o mundo.  É o mesmo que nos faz datados, amarelados pelo tempo. Aquele que causa espanto, estranheza ao fazer com que a gente se reencontre com uma versão velha de si mesmo. (Atire o primeiro álbum de fotografias quem se viu numa foto antiga e agradeceu aos céus por não ser mais aquela imagem, que mesmo mais velho, com mais dores para contar, deu graças a Deus porque enfim o tempo passou).

No passado, quisemos ser modernos.  E agora, queremos ser o que, contemporâneos, pós-contemporâneos? E no futuro, quereremos o que? Ser uber-ultra-right-pós o que?

A passagem do tempo é outra discussão datada, literalmente. O tempo só é linear em aulas de História e Gramática, porque de resto, nunca foi.  A piada mais velha do mundo pode ser a Descoberta da América pelo Twitter para quem ainda não ouviu.

Às vezes eu me divirto sendo retrô-de-mim-mesma, como a minha volta ao chanel-curumim, ou aos óculos de Velma. Em outras feitas, o que eu mais quero é não me reconhecer em nada, atirar-se no abismo do futuro é capaz de nos proporcionar um tesão irrepreensível.  Em outras, ainda, o foco no presente é tão grande que nem sequer me lembro de toda essa bobagem. Aos 28, percebi: eu sou aquilo que eu sempre fui, o que pareço ser agora e o que eu ainda vou ser. Tudo ao mesmo tempo agora. Lembrando que o verbo ser é uma falácia. Não somos absolutamente nada, somente estamos. E tá bom demais.

Assim, voltamos às origens. Ser original é isso, afinal. A ela isto nunca faltou, uma verdadeira antítese barroca: profundamente original no seu desejo de ser retrô, contrário a todo esforço da nossa geração em se fazer original e não passar de cópia (mal feita, o que é pior). Pensa rápido: quantos ensaios de moda inspirada no estilo da Amy você já viu? Pois é, inúmeros. Todos se pretendendo Invenção da Pólvora. Todos cópia.

Sinto falta de Amy. Já sentia antes mesmo dela morrer. Ela, que quando surgiu no cenário, foi pura subversão, morreu como um arremedo tragicômico entre o que ela foi e o que poderia ter sido. Fiquei puta com ela por isso. Mas acho que ela nem estava muito aí para essas coisas, ela era de levar água para os papparazi que se aboletavam na porta de sua casa! Loucos não estão neste mundo para servir aos interesses das pessoas na sala de jantar, a não ser que isto lhes interesse. E ela, de tão louca, mais de amor por aquele babaca, do que pelas drogas em si, não percebeu a hora de tocar o foda-se outra vez e voltar a ela mesma. Se ela chegou a  perceber, foi tarde. E esta foi a triste constatação de quem assistiu aos seus shows na fase da derrocada, já havia cantado essa bola.   Sábias palavras do Rafa: A Elis morreu de overdose, mas com a voz inteira! A Amy poderia pelo menos usado as drogas certas!  Ressuscita, Amy!

Este textículo passa longe de homenagens, que é para mim o que há de mais ridículo neste mundo, sendo elas póstumas ou não. Ele é mais para dizer que lá se foi minha última heroína trágica. No último dia 23, ela se juntou ao mesmo panteão de loucas, subversivas e desajustadas como Pagu, Maysa, Frida Kahlo, Billie, Piaf. Não que eu queira me ajustar, mas não posso mais sonhar com um mundo que não existe mais, e é tão engraçado que eu tenha dito isso para o professorzinho dias antes de Amy bater a caçoleta oficialmente. Tenho sérios planos de ficar velha, e quanto mais velha eu ficar, tanto mais louca de pedra também! O tempo nos atualiza. Então, já dá pra perceber que o desejo do contemporâneo também está em mim, o que eu considero bem válido, até. É só não se levar muito a sério.

She´s reborn like Sarah Vaughan!

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Poema de Natal

Para Sandra Dee
Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 147.
http://www.releituras.com/viniciusm_natal.asp

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A vida é um soco no estômago

"Quantas emoções você conhece que não tem nome?
Colocar nomes nas coisas é muito fácil..."
Para Adriano Ropero
Realmente, professor. É muito fácil.

Caralho, meu! VOCÊ VEM PERGUNTAR ISSO LOGO PARA MIM? Você sabe de muita coisa, professor, mas de mim você não sabe da missa a metade. Talvez não te interesse saber, mas mesmo assim eu vou contar.

Emoção, sentimento, com nome, sem nome. Que me fez sorrir, que me gargalhar, que me fez gritar de dor, chorar de desespero, gozar até me esgarçar. Muito prazer, meu nome é Montanha Russa.  Não sirvo para Roda Gigante. Esta coisa de girar em torno de um eixo fixo caberia melhor para quem, um râmster de laboratório? Talvez, mas não pra mim.

Para encurtar um pouco este papo, a questão é: o que eu vivo cala fundo em mim. Não sem as avarias e escoriações inerentes a quem passeia na Montanha Russa sem cinto de segurança. Se não morri até agora, acho que não morro mais.

Visceral sim, mas não irracional. O cérebro também é uma víscera! Penso, logo insisto. Categorizar tudo isso, ou como diz você, dar nomes, era o meu brinquedo predileto. Acho que nem Sócrates gostava de pensar tanto. Aqui em casa, há quilos de papel, tinta e madrugadas que se transformaram em poemas, cartas, contos, diários, textículos. Metade da minha vida tenho passado escrevendo compulsivamente, doutor. Tem cura para isso? Só que houve uma mudança nestes últimos tempos.

Cansei do parquinho de diversões, Herr Professor. Porque a Montanha Russa guarda pelo menos uma semelhança com a Roda Gigante: ela também volta para o mesmo lugar, anda nos trilhos. Até tinha parado um pouco de escrever, ficar se repetindo para que? Para quem? Tenho precisado de lugares novos, apesar do meu talento infame para o lugar-comum. Também não gosto de andar nos trilhos. E você, gosta?

É relativamente recente esta habilidade para a reinvenção, me divirto com outras personas. É o que me permite estar em lugares novos, lugares estranhos. Aprendi a me camaleonar, antes que eu me acostume com o que eu vejo no espelho. Mas não vou mentir, eu me espanto muito. Nem eu sabia que era tão boa atriz. 

Outra coisa me fez cansar da Montanha Russa: ir de zero a cem em segundos durante tantos anos estava me deixando neurastênica. Se não estou agora babando verde numa sala acolchoada, é que ao que ao beirar a loucura, antes resolvi parar na terapia. Sabe quando a gente para na padaria antes de ir para casa? Assim o zero a cem se torna uma escala, pelo menos. Igual a cantar: experimentando outros tons, aprendendo a me modular. Coisas de artista.

Como pode perceber, mein lieber Lehrer, eu posso, sem medo de parecer pretensiosa, me dar o título de Honoris Causa nesta bola que sua doutíssima pessoa levantou, e me dou. Se me cansei de colocar emoções e sentimentos em caixinhas de organizar na cabeça, nessa minha cabeça dura de mula teimosa, é porque agora está no corpo tudo o que eu vivo, na verdade sempre esteve. A vida é um soco no estômago. Igual ao que você me deu no último domingo. Não sei se seus punhos cerrados doeram, porque a impressão que eu tive por aqui é que você socou um muro de concreto. Nem eu poderia supor a existência desta força.

Flávia.

PS: Esta conversa de dar nomes para emoções me lembrou duas coisas. Uma é o Marcelo, Marmelo, Martelo: essa coisa de chamar leite de suco de vaca e cadeira de sentador. A outra é o Brasa Mora: são tantas emoções, bicho! Ah vá, eu tinha que terminar assim, fazendo piada? O negócio é sério, professor. Você mexeu num vespeiro daqueles.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

It´s 4 u, Holden Caufield

Finally, I met ya, Holden Caufield. Long time no see yaguy! We´re both so different now. And still so equal!

You´re still lost and young. I´m not young as you, not even like I was when I first met you. But I have been confused as hell lately, just as you have been for all these years. I changed my mind, I changed my body, I changed my clothing and the color of my hair, for several times. What never change is: we´re still climbing up across the walls, refusing any security devices. We´re completely mad, man!
We´re so silly, boy!

Anyway, we´re both so tired of always only trying! I know you are, just as me. We wanna get it, too. You went beyond your strength, nearly succumbed, I know. I share your tiredness, that bordering on despair. This is so fucking lovely and poetic! So fucking stupid, by the way. Just as you. Stupid.  Blind as a bat.

I´m getting old, boy. What I´ve discovered just now, and I think you have not yet: we can live without all this crap which people are always saying that is important. It´s completely possible to do it. Be deaf, Caufield, and go on for your own way. It´s not easy, not at all, actually. But it is the only way for free yourself, to be happy, whatever you want. Nós gatos já nascemos livres. Protect your skin and go ahead.
 
Love,
 
Flávia.

Ps: I thought that you had nothing else to say to me, but boy, I'm so fucking scared!  We still had too much to say to each other! You knocked me out, honey.

domingo, 12 de junho de 2011

Aprendendo a amar vol. 1

Este texto é o primeiro da série "Aprendendo a amar", escrito em 2009. Dedicado a meus alunos, ex-alunos, colegas e principalmente para quem amou e se decepcionou, mas que deu a volta por cima!

Um dia no intervalo das aulas, uma conversa entre os professores: aquela escola estava muito parada ultimamente, era preciso animar o período da tarde.  Então, é surge a idéia de fazer uma festa do dia dos namorados, já que a professora de inglês estava trabalhando com textos sobre São Valentim com as sétimas séries. O professor que quisesse entrar na dança era só contribuir com a sua idéia e a professora de inglês escreveria o projeto pedagógico da coisa.

A professora de Artes aderiu ao projeto na hora, mas com a dúvida de qual trabalho poderia fazer sobre seus alunos, afinal, se resolvesse trabalhar com Arte Erótica ou com o Nu na História da Arte poderia até ser exonerada do cargo, dado o moralismo indecente de sua época. Alguém soprou no seu ouvido para fazer cartões para correio elegante com as suas turmas. Ela, que normalmente xingaria quem deu essa idéia, dessa vez, sabe Deus porque, aceitou a idéia com simpatia.

Quando os alunos começaram a fazer os cartões nas aulas, ela entendeu porque ela topou fazer uma atividade que não tinha nada a ver com sua concepção vanguardista de Arte-Educação. A última vez que tinha feito correio elegante foi para as quermesses da Igreja, que tinham ficado para trás há um bom tempo. Tinha se esquecido a diversão que era aquele recorta-e-cola, somado à chuva de glitters, purpurinas, lantejoulas e corações feitos em série, como se fosse uma linha de produção.

Corações grandes, pequenos, em duplas, em trios e, em sua grande maioria, vermelhos. Todos de um vermelho pulsante, cor de cartolina comprada na papelaria da esquina. Lá pelas tantas, a professora se pergunta que cor estaria seu coração neste momento e apostou num azul, já que seu pobre coração andava um tanto gelado.

Não que seu coração nunca tivesse sido vermelho, só que da última vez que ele ficou vermelho foi de raiva, depois de uma decepção daquelas. Já estava recuperada do tombo, mas se deu conta, às vésperas de promover uma Festa do Dia dos Namorados com seus alunos, que tinha se fechado em copas para o amor. Como poderia reclamar que ninguém gostava dela? Ela não achava mais graça em ninguém. Todo mundo era feio, todo mundo era chato.

“Sou muito nova para ficar assim”, preocupou-se a professora. E sua preocupação foi ficando cada vez mais provinciana, apavorando-se com a idéia de se tornar uma professora solteirona típica, daquelas que usam “saia-lápis na altura do joelho, coque e óculos armação-tartaruga”. Sua preocupação, porém, durou poucos segundos, até um aluno cortar seus pensamentos com uma tesourinha sem ponta e dúvidas bem menos filosóficas: “É para cortar para direita ou para a esquerda, Prô?”

Longe da bagunça das salas, a professora foi avaliar o resultado da produção dos seus alunos. Contar os cartões, ver erros de português, essas coisas. Em contato com os corações, que ora escondiam, ora revelavam mensagens apaixonadas – tão clichês para os mais velhos, mas pura novidade para aquela molecada que está começando a descobrir os prazeres do amor – sentiu o seu próprio se aquecer. Entendeu o que seus velhos professores lhe diziam com: “Ensinar é via de mão dupla, a gente também aprende com nossos alunos”. Ela passou anos achando que isso era um bordão vazio, agora viu que era pura verdade. Graças a seus alunos e àquela bagunça de cartões sem fim, estava reaprendendo a amar.

sábado, 4 de junho de 2011

O Louco

Eu quero a folha em branco, o espaço vazio,
O vácuo da experiência. 
O útero oco que mês a mês se prepara para receber. 
Uma sala sem móveis, 
onde minhas canelas estejam livres de tropeções em pés de mesas de jacarandá.

Cansei de acumular, de ter que ter, de ter que saber, de ter que ser.
Pros diabos quem se garante na base do “quem guarda, tem”.
À beira do abismo,
“O centro era eu, de tudo!”