sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O patriarcado segundo Agostinho Carrara

Cena1
Bebel: Qual o problema de ser olhada?
Agostinho (exaltado): Não gosto! Não gosto! Não gosto de vagabundo olhando a mulher da gente, que isso!
(...)
Bebel: Quer dizer que a gente nunca mais vai à praia? (Olha para seus novos seios siliconados)
Agostinho: Maria Isabel, não tenho culpa, a gente vive num mundo em que as pessoas estão degradadas moralmente... (Exaltando-se ainda mais) Vagabundo não respeita mais a mulher dos outros! ´Cê tá com a sua mulher, nego olha pra ela, olha dentro dela! Lá de onde eu vim isso é coisa inadmissível! Não tem mais condição de ir à praia não!
Bebel: Escuta aqui, neguinho: não sou cuscuz pra morrer abafada, hein? Pronto, falei! (Levanta, estufa ainda mais o peito, e sai rebolando)


Cena 2

(Bebel tomando sol no quintal de casa. Um bando de marmanjos olhando)

Bebel: Acontece, neguinho que o corpitcho é meu!
Agostinho: Não é não! É nosso! Nós casamos em comunhão de bens, metade é meu!
Bebel: Isso diz respeito aos bens materiais, não ao meu corpo!
Agostinho: Mas, Maria Isabel, acontece que eu considero que certas partes do seu corpo são bens materiais meus!
Bebel: Tá falando de que? Do meu silicone, é?
Agostinho: É, tô falando dos 120 ml de silicone, que eu tô pagando em 36 vezes, tenho direito de não querer que marmanjo usufrua de um investimento que fui eu que fiz!



Cena 3:

Agostinho: É território! O que é dele, tem que limitar! Tem que lutar pelo o que é dele, ficar alerta, ficar de guarda, senão, vagabundo toma posse, entendeu? Toma posse! Vagabundo chega junto!

Que Simone de Beauvoir que nada! O filósofo do horário nobre Agostinho Carrara (Pedro Cardoso) sintetizou a posse do corpo feminino enquanto território do macho como ninguém, explicando o conceito e demonstrando! E ainda há quem tome as discussões de gênero como coisa de feminista ultrapassada.




Lineu Silva (Marco Nanini), quem diria, também não fica atrás. Enquanto sua esposa estava cantando como hobby, tudo bem, agora quando ela começa a gostar da brincadeira e a virar profissional, hum, não vai dar, não! Começa a se deslumbrar com o mundo, com o próprio sucesso... Isso chama a atenção de outros homens.





Assistir a Globo para esperar a transmissão da Record do voleibol feminino também enriquece meus estudos – amadores – sobre a questão de gênero.  Aliás, não sei por que tanto me espanto. Mídia serve para isso mesmo: criação e reiteração da norma. Onde está a surpresa?

Não sei porque também me surpreendo com o final. Dentro do ônibus, ao perceber um olhar de cachorro-olhando-frango-de-padaria de um malandro em sua direção, Bebel olha para Agostinho e diz: “Você não vai fazer nada, neguinho?” Quem primeiro contribui com a reiteração da norma são, em geral, as próprias mulheres. 



O mais engraçado de tudo isso é que o tiro sai pela culatra. Agostinho esquece toda sua cabra-machice ao encarar o marmanjo que estava olhando a sua mulher, que era duas vezes maior que ele, um autêntico sibito de lagoa de tão magricela. Não dá para levar este mundo a sério mesmo! Ainda neste século, tudo que a mulher ainda não conseguiu é ser dona da sua própria voz.

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