quarta-feira, 23 de março de 2011

Hadouken, Zangief!

Ou ainda: Chupa, dentuço!

Rita Lee e Zélia Duncan já disseram: só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão*. Hoje fala-se tanto em bullying que até parece novidade. A novidade é a superexposição da vida da molecada através das redes sociais, vídeos no celular e coisas do gênero. O que acabou gerando o cyberbullying,  uma versão ainda mais assustadora deste fenômeno, porque aterroriza e tortura até quando se está fora da escola.


Provavelmente, a agressão foi gravada para depois exaltar o ego do agressor na rede, mas bem que dizem  por aí que só os idiotas são cem por cento autoconfiantes. Este estava tão seguro de si a tal ponto que esqueceu: o trouxa de que ele pretendia tripudiar tinha pelo menos o triplo do seu tamanho, e como não contava que ia levar um hadouken de foder, o tiro saiu pela culatra.

Este assunto caiu nas minhas mãos ontem, através do meu amigo e novo provador de textículos, Porpeta, que postou em seu perfil o link do texto de uma amiga sobre o caso, muito bem escrito e corajoso, porque fugiu da hipocrisia e falou com todas as letras: quem mexe com quem está quieto merece sim levar uma na cara para aprender. Não é revanchismo, é o direito que todos têm de se defender quando sua dignidade é ameaçada.

Sei bem o que é isso, fui vítima de bullying na escola. E digo que é horrível, e olha que não sou de ficar quieta. O motivo: até o ensino fundamental, eu fatalmente era a primeira aluna da sala e visivelmente a protegidinha da mamãe. Estava estampado na minha cara. Alvo fácil para bullies, que eram não só moleques, como pode-se cair na tentação de pensar. Meninas também perseguem com tortura psicológica, agressão física, colocando apelidos, roubando suas coisas. Maldade não tem idade nem sexo definido: não adianta dizer que isso é coisa de moleque ou que é briga de criança que logo passa. 

A minha sorte é que eu nunca fui de sofrer calada, então eu sempre pus a boca no trombone, o que criou uma par de situações hilárias na minha época de escola. Porque sim, a Betona ia com toda fúria de leoa defender sua cria na escola, como uma Dona Florinda vai defender seu Quico. A única diferença é que ela não batia em ninguém, ia reclamar direto na Direção da escola, num voo praticamente sem escala. 

Eu, que não sou nenhum Ghandi, também cerrava meus punhos de vez em quando para acertar meus algozes. E como não tenho juízo até hoje, eu levava uma com qualquer um que mexesse comigo, até aqueles ditos mais perigosos. Afinal, eu também sou mano da Brasilândia, pô!

Uma hora isso acabou passando, hoje acho foi que por conta do meu temperamento explosivo. Como não aguento sofrer calada, faço logo um estardalhaço. Mas na maioria das vezes a vítima de bullying é retraída e não consegue reagir. E quando reage, sai de perto, porque vem muita merda pela frente. 

Casey Heines só revidou o ataque e deu a sorte de ser gravado. Só que esse tipo de reviravolta pode ser muito, mas muito pior. Alguém se lembra do Massacre em Columbine? Não é totalmente aceito o fato, mas considera-se que eles eram excluídos da ala dos descolados, atletas e populares da escola. O que eles fizeram foi coisa de psicopata, é claro, mas nunca se conhece totalmente os demônios que há dentro de cada ser humano. Aqui no Brasil, aconteceu coisa parecida, alguns anos atrás, acho que numa cidade do interior de São Paulo. Antes de se matar, o garoto fez questão de levar a arma pra escola e atirar para tudo quanto é lado.

De tudo isso, o que mais me assusta é a completa ignorância das famílias sobre o fato. Há pais e mães que simplesmente não conhecem o filho que tem ou que não conseguem perceber quando o filho está sofrendo agressões na escola, principalmente a psicológica, mais sutil e perigosa. Mesmo meus pais, que sempre foram super presentes, não entendiam totalmente o quão horrível é ser torturado o tempo todo, principalmente na adolescência, onde a autoestima é algo tão frágil. No caso do Zangief Kid, nem o pai da vítima nem do agressor sabiam do que acontecia com seus filhos.

E a escola? Agora sou professora, este assunto está na pauta do dia hoje, não é coisa do passado para mim. O que tenho a dizer sobre o outro lado dessa história é que é muito difícil identificar bullying em sala de aula, porque: 

1 - O comportamento bully é covarde. Vai aprontar quando não tiver chances de ser pego;

2 - Aquilo que alguns pais e mães não dão conta quando estão com duas em três crianças em casa, deve ser multiplicado por pelo menos 35 no caso do professor em sala de aula. Se a gente parar para resolver  todas as situações de conflito em sala de aula, abandonando todo o resto, dependendo de quão danada é a turma, em meio segundo vai ter gente até no teto. E nós somos responsáveis por TODOS que estão dentro da sala quando estamos em aula. Se alguém se machuca, a gente é que responde pelo fato.

Para a escola, não adianta combater situações isoladas com punições igualmente isoladas. O bullying é um fenômeno que acontece de maneira sistemática e deve ser combatido da mesma maneira pela escola e pela academia. É um absurdo, não se estuda este assunto nas licenciaturas e só agora estudos acadêmicos e livros sobre o assunto estão ganhando alguma notoriedade. Então a escola dos dois garotos que puniu a briga com uma suspensão para os alunos e depois lavou as mãos, está errada. Pode-se até punir para deixar claro que a violência não será tolerada, mas onde toda esta tolerância zero estava quando Casey Heines era constantemente agredido? Como eu disse, é difícil descobrir, mas a partir do momento que se descobre, a escola como instituição deve se posicionar contra isso. O bullying é um câncer da sociedade, que se reflete na escola. Logo, a gente tem que fazer alguma coisa, sim. E rápido.

Defende-se que o agressor não pode ser jogado na fogueira  como herege pura e simplesmente e que também precisa de atenção, talvez até de tratamento. É  mesmo doentio ter que rebaixar o outro para se sentir melhor, isto deve ser cuidado, mas jamais tratando os agressores como coitadinhos. E o bestiário pedagogês adora o jogo do coitadinho. A mídia norte-americana também entrevistou Richard Gale, o menino que tentou agredir Heines e ele diz: "minha mãe diz para eu ter sucesso na vida", chora uma lagriminha de crocodilo, mas depois deixa escapar que não lamenta ter agredido Casey e ainda mente muito mal dizendo que ele tinha sido agredido antes.



O caso Zangief Kid é emblemático, trouxe à tona um assunto importante que deve ser tratado por toda a sociedade. Mas é lógico que o PIG estadunidense reduziu este acontecido a um mero heroes and vilains muito do chinfrim. Casey Heines virou heroi sem ter feito nada heroico, ele só revidou a agressão e isto é instintivo. Colocá-lo nesta posição de maneira tão simplista só incita mais o ódio e apologiza a violência, o que não resolve o assunto. E será que o garoto que antes era tratado como o mosquito-do-cocô-do-cavalo-do-bandido está preparado para tanta exposição na mídia e do dia para noite passar a ter duzentos mil amigos no Facebook? Ele só queria que o deixassem em paz. (Sem contar que agora é o Gale que está sendo perseguido. Reviravolta a là Tom&Jerry esta, hein?)

Mais que um heroi, Casey tornou-se um símbolo de uma situação que só agora está sendo vista pela sociedade em geral com um pouco mais de consciência. Deve-se aproveitar a situação para conversar sobre o bullying não somente dentro das escolas, mas em casa também. Então, pais e mães: por favor, conheçam de fato seus filhos e o que acontece com eles dentro e fora da escola, principalmente  quando estão online.  Isto não é controle, é cuidado. Vítimas de bullying: não sofram calados e não esperem para tomar uma atitude quando se está no limite da razão, como Casey Heines fez. Educadores: não podemos mais ignorar o assunto. Bullying sempre existiu e sempre foi grave, mas na era digital 2.0 conseguiu ficar pior. E para acabar, Bullies:  tomem cuidado com quem vocês batem. Vocês podem apanhar feio. 

Epílogo
Com todo o politicamente correto que nos massacra neste mundo, atire a primeira pedra quem não viu o moleque magricela e dentuço beijando o chão e não pensou: "Se fo-deu!"
(Ok, os mais educados podem ter pensado somente um Bem feito. Mas equivale em sentido.)

segunda-feira, 21 de março de 2011

O Discurso do Obama

Ele não é gago nem rei, mas nem por isso o discurso do presidente dos Estados Unidos da América por aqui foi menos esperado. Eu nem estava acompanhando, estou na fase de pensar na morte da bezerra e no sexo das borboletas, mas hoje fui ler o tal discurso. Estivesse eu na minha fase engajada, pegaria ponto por ponto do que ele disse e ver o que é necessário fazer efetivamente para honrar tão aguardadas palavras, mesmo que eu até tenha feito isso no pensamento enquanto lia. Mas o fato que este textículo de hoje é mais uma rapidinha para se manter em atividade do que para elucubração política.


Fui ouvir Mr. President, da Janelle Monáe, pensando: será que ela e sua turma escreveram essa canção para ele? Nunca tinha feito a associação. Aí, fui ler a letra - meu listening ainda não é lá essas coisas - e pelo menos agora, foi exatamente esta leitura que eu fiz. Afinal, ele se tornou fato histórico por ser o primeiro presidente estadunidense negro, mas ele precisa fazer muito mais para se tornar uma lenda. E ao que parece, até agora quase nada, não? Dançar Single Ladies e matar uma mosca em um talking show é pouco ainda, dear Mr. President, assim como fazer omeletes na Ana Maria Braga não nos mostra a que veio a Presidenta Dilma (gente, eu acho horrível essa história de presidenta, parece, sei lá, governanta!  Em termos de gênero, prefiro os comum-de-dois, como poeta, por exemplo, em vez de poetisa.)

Legal é que acabei traduzindo Mr President. Mandei para a teacher corrigir, mas quem disse que aguento esperar? Lá vai: 

Mr. President
Esta canção é para minha mãe
Esta canção é para você

Ei, Senhor Presidente
Amanhã tenho que pagar meu aluguel
O combustível está acabando
Tenho lugares para ir
E eu não posso parar

Podemos falar sobre a educação das nossas crianças?
Um livro vale muito mais do que uma bomba a qualquer tempo
E lembre-se de olhar para a África
Quem vai trazer-lhes a cura antes que seja tarde demais?

O senhor não vê a dor nos olhos deles?
Tanta desesperança em todos estes rostos
Use seu coração e não seu orgulho
Não podemos seguir em frente fingindo

Por favor, senhor presidente
Onde está todo o dinheiro que gastou?
A comida está acabando
E eles não têm para onde ir 
Então, não me segure

Peço que tenha misericórdia de nós, pai
Você acha que sabemos das regras até então
Mas não podemos seguir iniciando guerras com corações cheios de ódio
A ganância por outras nações não vai melhorar as coisas
Ou aquietar os temores em nossos corações

O senhor não vê a dor nestes olhos,  desesperança em todos estes rostos?
Use seu coração e não seu orgulho
Não podemos seguir em frente fingindo

Caro Senhor Presidente
Espero que tenha recebido a carta que mandei
Um dólar vai embora tão rápido, não importa quem sejamos

Veja, viemos de diferentes mundos e lugares
Até que haja uma terra prometida, uma nação enviada por Deus,
Os tempos vão ficando difíceis
Precisamos de você como a um Moisés para conduzir seu povo
Por favor, tenha cuidado, esteja atento
Com o que você faz

Sobre Janelle, só tenho uma coisa a dizer: a neguinha é mesmo foda. Não se encontra clipe desta canção, só boas versões de anônimos. Esta aqui arrasou:



Boa cambalhota noturna, texticular audiência! Enjoy it!


domingo, 20 de março de 2011

Lope

" Eu quero tudo!"
Lope de Vega




Assisti a esse filme ontem no Unibanco da Augusta, depois de ter visto o cartaz no Unibanco da Pompeia e não ter conseguido assistir porque já tinha saído de cartaz por lá. Fora os oscarizados e as boas animações 3D, são os filmes mais babacas que sustentam a audiência das salas de cinema de shopping - o cinema do Bourbon é uma exceção, também apresenta opções que fogem do blockbuster. Logo, um filme que ficou pouquíssimo tempo em exibição no cinema de um shopping deveria ser no mínimo interessante. Gazelita descobriu que ainda havia sessões rolando no Unibanco da Augusta e a gente se mandou para lá. 
Na verdade, não foi só um instinto anti-mainstream que me atraiu para assistir Lope. Lope de Vega é um dos maiores dramaturgos da história do Teatro, tanto em volume de trabalho - já que escreveu feito louco -  quanto por suas inovações em termos de dramaturgia e encenação. Eu não conheço a sua vastíssima obra em profundidade (e a professorinha de Artes Cênicas deveria, né?). Mesmo que neste tipo de filme tenha quase sempre injetada uma boa dose de ficção, eles sempre ajudam a entender o contexto histórico do período em que criou,  suas referências estéticas, a atmosfera da época. Shakespeare in love fez a mesma coisa pelo Bardo e levou Oscar, quem sabe Lope não leve também no próximo ano.

Qualidade de produção para isso o filme tem. É uma co-produção Brasil-Espanha, com Andrucha Waddington na direção, Selton Mello e Sonia Braga no elenco. O único filme que eu tinha assistido dele foi Eu, Tu, Eles, que é ótimo e totalmente diferente em temática de Lope.

O início é cozido em fogo lento, quase parece monótono. Na verdade, é sua intrincada trama sendo urdida aos poucos. Quando o circo está armado por completo, aí é que fica bom. E ele literalmente pega fogo. Lope é a personificação do artista subversivo, audacioso e intempestivo, que arranja confusão com meio mundo porque não aceita se vender por pouca coisa,  mesmo que estivesse tão ferrado a ponto de vender o almoço para comprar o jantar;  habilidoso com a pena e com a espada, não leva desaforo para casa e adora se meter - literalmente - com a mulher errada. E elas adoram - afinal, ele as enlouquece com seus românticos sonetos e seus calorosos amassos. (Sem uma sacanagem, a história de um poeta louco de amor seria simplesmente inverossímil. Fosse eu uma donzelinha madrilenha em meados do século XVI, teria dado pra ele fácil, fácil. Ninguém é de ferro, né? Eu menos ainda.)

Moral da história: nem só de Almodóvar vive o cinema espanhol,  nem só de Globo Filmes vive o cinema brasileiro.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Vamos brincar perto da usina

A capacidade do ser humano em ser egocentrado (leia-se: egoísta mesmo) é absurdamente incrível. Somente nesta semana que assisti a alguns noticiários e li alguns jornais sobre o terremoto-tsunami-acidente nuclear do Japão. De fato, desgraça pouca é besteira. Se vem, vem de lote e a galope. 

Do outro lado do mundo, o caos está completamente instalado em uma situação que só se compara a Segunda Guerra Mundial, que deixou o Japão afundado na lama. E mesmo assim  eu  só conseguia pensar em mim! Agora me sinto péssima por isso. Poderia ser qualquer um de nós! Ou ainda acha que no Brasil não existem desastres naturais? Faz-me rir! Aqui já aconteceram e acontecem terremotos, vendavais, enchentes,  queimadas, deslizamentos de terra. A Natureza é caótica, irmãozinho. Não tem nada a ver com ira dos deuses. Todas estas pessoas foram vítimas do acaso. 

Este último parágrafo é feito de um cinismo dos mais sentimentalistas e baratos. Mesmo com todo este mea-culpa, eu ainda penso só em mim. É que também o PIG é foda, né gente? Quando começa com uma coisa, não para mais. A avalanche de informações é tamanha que chega um ponto em que você filtra para não enlouquecer. O pior efeito colateral deste processo é perder a sensibilidade, anestesiar-se por completo. Odeio muito tudo isso. Aí volto para meu mundinho de textículos e intrigas. 

Na verdade, todo mundo é um pouco assim. Por isso é que gosto tanto deste poemínimo do Mário Quintana. Quem tiver a cara de pau de dizer que Quintana estava enganado, que atire na professorinha.  
 
A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...
 
O fato é que as notícias sobre o acidente em Fukushima, e a reportagem sobre Shernobyl vinte e cinco anos depois do desastre me evocou algo bem mais corriqueiro. Lembrei de Angra dos Reis, da Legião. Uma das minhas canções de amor preferidas que titio Renato escreveu. 

Vamos brincar perto da usina. Brincar com radiatividade, perigo. Amar é bem assim mesmo, um constante brincar com fogo. E achar que não é nada. Pra que se explicar, se não existe perigo? Não adianta chorar, se por um acaso se queimar. É assim mesmo.

Não estou com dor-de-cotovelo, muito menos compatível com o nível da canção, só estou um pouco atônita. Angra dos Reis, porém, faz parte do meu relicário de lembranças adoradas. Mesmo se as estrelas começarem a cair, me diz: para onde é que a gente vai fugir?

É o que está acontecendo comigo. Estou das duas, uma: ou em ponto de fuga, ou em ponto de bala. Deixa pra lá, vai. A Angra é dos Reis.



Boa cambalhota noturna, gente! Urbana Legio Omnia Vincit!

domingo, 13 de março de 2011

Penélope

Passado o carnaval,
É hora de pendurar a fantasia.
Penélope, seu destino é esperar.


Com os olhos voltados para o mar,
Enquanto urde suas tramas,
Seu Ulisses está de volta.

Meu vestido está pendurado ali.
Esticado nas estacas do sono, do sonho
Em tudo que faço

Para não perder o juízo, enquanto você não chega.
E para pôr todos os bichos à solta,
Assim que cruzar esta porta.

sábado, 12 de março de 2011

Cisne Negro

"There are two tragedies in life. One is not to get your heart's desire. The other is to get it."*
George Bernard Shaw

"Estar pronto é tudo."
  Hamlet, ato V, cena II.


God save The Swan Queen!
O que dizer de um filme que já levou o Oscar, foi ovacionado pela crítica e que provalmente já foi destrinchado, dissecado, analisado por todo o tipo de gente?

Não vou dizer que este filme nasceu clássico, que a câmera dança junto com a Natalie Portman, que ela entrou definitivamente para o panteão das deusas do cinema. Sua beleza bastaria para isso, mas sua atuação é a coisa mais visceral que eu vi em toda a minha vida.

Este filme não é apenas sobre balé, ou como a perfeição atlética exigida das bailarinas pode levá-las à loucura. Também não trata somente do fio da navalha que há na intrincada relação entre intérprete e personagem.

Este filme nos encara profundamente e diz, sem rodeios: incorpore sua sombra, aquela parte obscura, selvagem, incontrolável que cada um carrega dentro de si. Acolha sua sombra ou será deglutido por ela. O que seria do bordado sem o seu avesso? Então, vire do avesso de vez em quando. Exiba-o. Ame-o. Orgulhe-se dele.

Ainda pensa que Bem vai vencer o Mal? Na vida real, eles são parceiros, babe. Um exalta o brilho do outro. Nunca ouviu falar em yin e yang? Acorda, Nina.



Isso, na verdade, é bem junguiano. Cisne Negro é o processo de individuação de Nina, ela tragicamente incorpora sua sombra a seu self. (Falei alguma besteira, psicólogos? Se falei, por favor, corrijam.) Todo mundo precisa passar por este dolorosíssimo processo. Nina leva o seu magistralmente às últimas consequências e não aguenta o tranco, afinal, era uma garota presa no corpo de uma mulher, como Olga  presa no corpo de um cisne.
Saí do cinema chapada, chapadinha. A coisa mais pesada que usei foi água com gás. Entre o milhão de coisas que se passaram pela minha mente, coração e libido, me lembrei de uma canção que eu escrevi há algum tempo e que sem um pingo de modéstia, adoro. Somente agora, tendo assistido ao Cisne Negro, entendi de fato o que ela queria me dizer:
 
"Permanecer na superfície
A todo custo evitando a descida aos infernos é besteira  
(...)
Trate de abandonar a utopia
De que o ser humano é inteiro sensatez
Perca o juízo de vez
(...)Solte os bichos"
...Solte os bichos. O que mais nos resta fazer?
  
*Há duas tragédias na vida. Uma é não conseguir o que nosso coração deseja. A outra é conseguir.