quarta-feira, 20 de julho de 2011

A vida é um soco no estômago

"Quantas emoções você conhece que não tem nome?
Colocar nomes nas coisas é muito fácil..."
Para Adriano Ropero
Realmente, professor. É muito fácil.

Caralho, meu! VOCÊ VEM PERGUNTAR ISSO LOGO PARA MIM? Você sabe de muita coisa, professor, mas de mim você não sabe da missa a metade. Talvez não te interesse saber, mas mesmo assim eu vou contar.

Emoção, sentimento, com nome, sem nome. Que me fez sorrir, que me gargalhar, que me fez gritar de dor, chorar de desespero, gozar até me esgarçar. Muito prazer, meu nome é Montanha Russa.  Não sirvo para Roda Gigante. Esta coisa de girar em torno de um eixo fixo caberia melhor para quem, um râmster de laboratório? Talvez, mas não pra mim.

Para encurtar um pouco este papo, a questão é: o que eu vivo cala fundo em mim. Não sem as avarias e escoriações inerentes a quem passeia na Montanha Russa sem cinto de segurança. Se não morri até agora, acho que não morro mais.

Visceral sim, mas não irracional. O cérebro também é uma víscera! Penso, logo insisto. Categorizar tudo isso, ou como diz você, dar nomes, era o meu brinquedo predileto. Acho que nem Sócrates gostava de pensar tanto. Aqui em casa, há quilos de papel, tinta e madrugadas que se transformaram em poemas, cartas, contos, diários, textículos. Metade da minha vida tenho passado escrevendo compulsivamente, doutor. Tem cura para isso? Só que houve uma mudança nestes últimos tempos.

Cansei do parquinho de diversões, Herr Professor. Porque a Montanha Russa guarda pelo menos uma semelhança com a Roda Gigante: ela também volta para o mesmo lugar, anda nos trilhos. Até tinha parado um pouco de escrever, ficar se repetindo para que? Para quem? Tenho precisado de lugares novos, apesar do meu talento infame para o lugar-comum. Também não gosto de andar nos trilhos. E você, gosta?

É relativamente recente esta habilidade para a reinvenção, me divirto com outras personas. É o que me permite estar em lugares novos, lugares estranhos. Aprendi a me camaleonar, antes que eu me acostume com o que eu vejo no espelho. Mas não vou mentir, eu me espanto muito. Nem eu sabia que era tão boa atriz. 

Outra coisa me fez cansar da Montanha Russa: ir de zero a cem em segundos durante tantos anos estava me deixando neurastênica. Se não estou agora babando verde numa sala acolchoada, é que ao que ao beirar a loucura, antes resolvi parar na terapia. Sabe quando a gente para na padaria antes de ir para casa? Assim o zero a cem se torna uma escala, pelo menos. Igual a cantar: experimentando outros tons, aprendendo a me modular. Coisas de artista.

Como pode perceber, mein lieber Lehrer, eu posso, sem medo de parecer pretensiosa, me dar o título de Honoris Causa nesta bola que sua doutíssima pessoa levantou, e me dou. Se me cansei de colocar emoções e sentimentos em caixinhas de organizar na cabeça, nessa minha cabeça dura de mula teimosa, é porque agora está no corpo tudo o que eu vivo, na verdade sempre esteve. A vida é um soco no estômago. Igual ao que você me deu no último domingo. Não sei se seus punhos cerrados doeram, porque a impressão que eu tive por aqui é que você socou um muro de concreto. Nem eu poderia supor a existência desta força.

Flávia.

PS: Esta conversa de dar nomes para emoções me lembrou duas coisas. Uma é o Marcelo, Marmelo, Martelo: essa coisa de chamar leite de suco de vaca e cadeira de sentador. A outra é o Brasa Mora: são tantas emoções, bicho! Ah vá, eu tinha que terminar assim, fazendo piada? O negócio é sério, professor. Você mexeu num vespeiro daqueles.

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