domingo, 31 de maio de 2015

A caixa mágica de gibis

 Para Adriana Malaquias e prima Cynthia
Escrevi este texto há doze anos, como denuncia a piadinha com o slogan do governo do JK. O tempo que passa pode até não voltar (e como ando triste com meus tempos perdidos), mas também sei hoje em dia que a vida tem lá os seus estica-e-puxas. Como numa brincadeira de elástico, este texto voltou com uma conversa muito elucidativa com a prima Cynthia sobre Barbies, Susies e Ganha-Nenês. E vejo que o tempo passa, mas a saudade do meu quarto cheio de brinquedos espalhados não! 
"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!" 
(Casimiro de Abreu)
Quem me conhece sabe que minha saudade é crônica. Saudade que nem a da música do Gonzagão, Que nem jiló, "pro cabra se convencer que é feliz sem saber".  Vivo para juntar histórias. Tanto que, se eu fosse o Juscelino, meu lema seria "200 anos em 20", ao invés de 50 anos em 5. Não que minha vida seja alucinante, ela é até bem prosaica. É que qualquer coisinha é uma dramão pra mim. Devo ser roteirista frustrada e nem fiquei sabendo. 

A saudade que me doi mesmo são a dos meus brinquedos, mais do que primeiro namorado, primeiro beijo, essas coisas. Claro que existem alguns desenhos animados da minha época em exibição na TV, mas nada se compara a minhas bonecas perdidas. Poucos brinquedos me restaram, porque é costume da minha mãe doar tudo que vê pela frente sem uso. A maioria deles foi para os meus primos mais novos e minhas preciosidades como minha boneca Ganha-Nenê e meu Cachorro-Detetive já devem ter ido para o espaço agora, porque meus primos cresceram também.



Inútil dizer que a saudade que eu tenho não é de nada material, é do que eles representam e que os desenhos animados não conseguem sintetizar da minha infância.  Minha amiga Adriana disse que quando não está bem, vai ler sua coleção de gibis. Segundo ela, isso é um bálsamo, uma espécie de Fonte da Eterna Juventude. Tenho certeza que todo mundo já disse: "Ai quero voltar para minha infância!" num momento de extremo saco cheio com a vida. Pois é, só a Dri consegue com sua caixa mágica de gibis. "


Para ver que a vida é uma brincadeira de estica e puxa, olha só quanto está valendo uma Ganha Nenê agora: http://bit.ly/1M29u4s

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sobre Formação de Professores: parem de nos tratar feito imbecis

     Primeiro preciso dizer que este não é um artigo acadêmico, no sentido mais estrito do termo. Não procedi com uma coleta rigorosa de dados, para depois fazer uma análise fria dos mesmos. Aliás, como tudo que já escrevi aqui, as reflexões de hoje vem fumegando, como bala que já cheira a sangue:


Eu tenho o maior prazer em descobrir coisas novas, sempre gostei de estudar. Então, eu simplesmente não consigo fazer nenhum curso, formação, oficina só para pontuar. (Quem é professor da Rede Municipal sabe: sempre almejamos evoluir, se não espiritualmente, ao menos na folha de pagamento. Somos verdadeiros Pokémons em busca da evolução). A maioria de nós trabalha em mais de um cargo/emprego, fazemos cursos (estão lembrados da evolução?), os casados/pais/mães tem que cuidar da casa e filhos e se sobrar algum tempo depois de tudo isso, viver. Quem sabe fazer alguma coisa que realmente nos traga prazer e satisfação. (Aliás, sobre isso, não me faço de rogada: eu gosto mesmo de estudar e de me aprimorar no meu ofício. Por incrível que pareça, diminui a angústia quando vem aquela sensação de impotência que todos nós professores experimentamos frequentemente). Justamente por gostar de estudar e pela agenda apertada, tenho que ser seletiva na hora de escolher uma formação, oficina ou curso. E posso dizer que vale a pena adotar esta postura, porque tive experiências incríveis, que realmente agregaram valor ao meu camarotezinho de professora da rede pública.
Uma delas faz parte do arquivo dos TM, o curso de extensão universitária Poéticas da Dança na Educação Básica (IA/UNESP, 2012). A última fase do curso - o projeto com meus alunos - nem foi relatado aqui por uma absurda falta de tempo já citada anteriormente. Como tudo que opera no plano real, não foi perfeito. Durou pouco tempo em relação aos objetivos que estabelecemos na equipe, porém até hoje as crianças (que ainda são meus alunos) se lembram da experiência e falam dela. Espero conseguir fazer meu trabalho de campo do mestrado com alguns destes mesmos alunos. (Se isso acontecer, a professorinha pesquisadora em formação vai ter um treco de felicidade acadêmica!).
As três vezes em que fiz parte do Descubra a Orquestra, da Osesp foram inesquecíveis e valeram mais que meus anos de estudos de música no modo tradicional. Tivemos estudos teóricos, discussão e também aprendemos ferramentas úteis para o trabalho – às vezes parecem que essas duas coisas não combinam, mas combinam, tem que combinar. Aliás, se não combinarem numa formação, corra: é uma cilada, Bino!


          
E outra experiência recente sensacional foi o Encontro para Professores de Arte da Rede Municipal de São Paulo em agosto do ano passado, no IA da UNESP, promovido pelo Grupo de Pesquisa em Formação de Professores, capitaneado pela Prof.ª Luiza Christov. Além das oficinas que podíamos escolher (fiz uma sobre Aikidô e suas possibilidades de administrar conflitos pacificamente), o mais incrível foi a postura de escuta adotada pelo grupo: não fomos lá simplesmente para ‘receber’ formação. As narrativas coletadas no encontro foram discutidas, documentadas e resultaram numa ação prática: já assinou a petição online solicitando à Secretaria Municipal de Educação mais uma aula de arte no currículo do 1º ao 5º ano? Assina, gente!


Estas são algumas das experiências mais marcantes que tive, sem contar a epopeia pelo mestrado no Instituto de Artes da UNESP e meu contato com a Professora Sandra Batistão, que nos levou a pensar para além das questões que faziam parte da formação, que sozinha já tem tanto a se dizer e fazer (inclusão de alunos com deficiência intelectual). Mas em termos de formação continuada de professores, ainda se caminha a passos de centopeia lesa e isso me deixa beeeem irritada. Vou apontar o que considero falho e soluções possíveis. (Vai que eu seja lida e ouvida pelo ministro ou secretário da educação municipal, não é? Otimismo é tudo nessa vida, gente!)


A primeira delas consta no PME (Plano Municipal de Educação de São Paulo, rede onde atualmente trabalho), mas possibilidades reais e avanços, eu como recente mestranda não vejo: aumentar a quantidade de docentes mestres e doutores na rede. Pós-graduação scrictu sensu exige, entre outras coisinhas, dedicação em muita leitura e pesquisa, trabalho de campo, escrever e revisar, tudo isso dentro dos prazos dos programas das universidades (dois anos para mestrado, por exemplo). Isso demanda horários flexíveis (as aulas dos programas quase nunca são num período só) e dinheiro. Ou você tem bolsa, ou trabalha. O que temos de fato nas redes de ensino, como já citei, são jornadas acachapantes e nada flexíveis. O mínimo que se poderia fazer para aumentar a quantidade de professores pesquisadores, com pós-graduações scrictu sensu, seria uma licença sem prejudicar os vencimentos, específica para este fim e que nem precisaria durar todo o tempo do programa de pós. Isto existe na nossa Rede? Ando procurando e não encontrei ainda. O que há é uma licença para apresentar trabalhos científicos em congressos, que já utilizei duas vezes. (Mas se não há tempo para pesquisa, vamos apresentar o quê? Trabalhos acadêmicos não são recebidos por inspiração divina). Ficar recebendo formações continuadas tem seu mérito, mas não é tudo. Se quiséssemos mesmo melhorar a qualidade da educação do país, seria necessário encorajar os docentes a buscar seus próprios caminhos, pesquisando e compartilhando suas soluções. O sistema educacional da Finlândia por exemplo, que tanta gente ama idolatrar, exige para o exercício docente no mínimo o grau de mestre. Temos excelentes programas de pós-graduação em educação aqui – inclusive mestrados profissionais em rede específicos para professores - porque não usamos? E se usamos, temos que fazer milagres dignos de Matrix para dar conta do programa + jornada de trabalho. Se você é um mestrando ou doutorando dentro da escola, salvo raras exceções, será tratado como um ET. Prepare seu OVNI.

Outra coisa que me intriga é: se o docente tiver uma real proficiência em um segundo idioma, porque não se pode entregar sua certificação para pontuar? Isso existe em uma alguma rede pública de ensino do país? Nas que eu trabalhei/trabalho não existe essa possibilidade. E mais: cursos de um segundo idioma oferecidos em formação continuada só existem para professores de LEM (língua estrangeira moderna). Ou seja, você só pode falar inglês se for professor de inglês. If you are not, forget it! (Será por isso que tantos alunos fazem cara de se descobrem que um professor que não é de LEM ou de língua portuguesa fala outro idioma?)

O tempo que se perde com obviedades em alguns cursos, oficinas e afins que são um verdadeiro desperdício de tempo e energia é o que mais me indigna deste pequeno compêndio de problemas com formação continuada de professores. Talvez seja o que mais me irrita porque é o mais simples de resolver de todos que estou elecando aqui e não se resolve, porque vida de professor é muito fácil e precisa de uma emoçãozinha a mais. Desde a graduação, tenho uma coleção de casos – que é lógico que não vou contar, para não ser decapitada - em que somos tratados como verdadeiras bestas quadradas, nivelados previamente para baixo do centro da terra. Então, fica a dica: parem de nos tratar como imbecis. O mundo não é necessariamente aquilo que a gente pensa, né?

Essa é para fechar a madrugada que logo mais tem aula. Citando Giovanni Improtta: vamos embora que o tempo urge e a Sapucaí é grande!

           Um beijo, José Wilker!

(Se você não entendeu a piada, clique.)

domingo, 3 de maio de 2015

Conversas sobre dentes do siso e pós-graduações me enchem de ternura

Talks about wisdom teeth and master´s degree programs fill me with tenderness

Para Marina Abramovic e Leandro Testa

Meu dente caiu, mas não como frutas maduras que caem do pé: sozinhas. Por não mastigar nada mais além da própria boca e ainda carear os dentes próximos, meu molar mártir foi imolado – como um Cordeiro de Deus na Sexta-feira da Paixão, por uma sacerdotisa japonesa vestida de branco.
Meu sobrinho de cinco anos me perguntou se eu ia deixar o dente debaixo do travesseiro. “Para que fazer isso?”, perguntei a ele. “Para aparecer a Fada-do-Dente, ué!”
As fadas-do-dente da minha infância não buscavam dente debaixo do travesseiro: elas os buscavam em cima dos telhados. “Elas eram muito mais ninjas, porque tinham que fazer rapel”, contei para a criança que agora não vê a hora de deixar seus dentes no telhado de casa.
         Simpatizei com a ideia de ter com a Fada-do-Dente. Deixei o mártir-molar debaixo do travesseiro, para que seu sacrifício não fosse em vão.
No limiar entre a vigília e o sono, eis que surge de vestido e manto negros, como uma Nossa Senhora dos Bálcãs, ela: Marina Abramovic! Só acredito quando ela tira o véu, deixando a cabeleira espessa e tão negra quanto suas vestes aparecer e diz, com seu sotaque sérvio:
“So, what do you want in exchange for your tooth, honey?”
“Well, I can´t be sure exactly right now, I´m confused… Is this some kind of… performance?”
“Yes, it is. After pursuing intense exchange of energy and interaction with my audience for long periods and through simple actions, now I have been interested in performing with semi-conscious partners, as you are at this moment.”
“Oh my f*** God! But why me? Why have you come as Tooth Fairy?”
“It is all about losses and grief. You´ve shed your tooth and you know: this time it won´t erupt another one to replace it. This is not easy, not at all.”
“You´re right: it´s not easy, but I´m not suffering... Actually, all this stuff is too good to be true: I got rid of a weird tooth and Marina Abramovic is paying me a visit! Don´t pinch me, please! I wanna believe. I think I have a wish now!”
“And what do you want? A new bicycle or a new doll? Girl, you´re bluffing! If you don´t feel for your tooth, you wouldn´t let him under your pillow… But, tell me about your real desire!”
“I don´t know how to express it, but first I must confess: my life is full of rupture and reinvention. I wasn´t made for it; I was made for being the same my whole life! However, mama, after so many backwards and forwards, ups and downs, I have to admit: I kinda like it! I just don´t do this more often because it hurts as hell, always, no matter how many times it happens in my life.”
“Pain protects us, honey…Your wish?”
“It´s about my master´s degree… Again: I had to play the Drama Queen role for gaining my entrance at the University. It was a long road, but I am really aware of this is just beginning!  I must rock, mama, and it´s not for vanity at all. It´s because I feel the weight of a great responsibility on my shoulders, every time I am studying or reading about it. And you know: I am so mature as my 5 years old nephew! I should be reading right now, writing articles and presentations, but I am here, talking about wisdom teeth and master´s degree programs with you, mama!”
“Talks about wisdom teeth and master´s degree programs fill me with tenderness, honey. You´ re blessed now and you can go on, you know it. Don´t blame yourself for having fun with your imagination sometimes… your brain needs some breath, just as your heart. Satisfy your guts first, so you will satisfy your soul.”
…E desapareceu, me deixando aqui sem um dente, mas cheia de ternura.


São Paulo, 06 de Abril de 2015.