terça-feira, 10 de março de 2009

Estupra, mas não mata

Essa pérola que nomeia este textículo foi proferida não sei há quanto tempo atrás, pelo "célebre" político brasileiro Paulo Maluf, hoje deputado federal, e com uma folha corrida de processos* na justiça de dar inveja ao Fernandinho Beira-Mar. Evidentemente, a frase é dar nojo, mas vindo de quem vem, não é de se surpreender, e depois de alguns segundos, ela até pode nos causar risos, só que de desespero. Esta frase também ganhou ares folclóricos, pela tradição que ele criou de frases inglórias como esta e como: "As professoras não são mal pagas, são é mal casadas." e "Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim!"



Maluf dizer isso é uma coisa, um líder religioso dizer a mesma coisa, só que em outras palavras, é outra. Estou falando de Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda, que afirmou: "Quem cometer estupro está cometendo um pecado gravíssimo, aqueles que cometem assaltos também, estão cometendo pecados gravíssimos, e a Igreja também os condena. Mas, para estes pecados, a Igreja não prevê a excomunhão. Quem cometeu o aborto é um crime mais grave ainda, porque é tirar a vida de alguém inocente, indefeso", ao defender o fato de ter excomungado os médicos que realizaram o aborto na menina de 9 anos estuprada pelo padastro, grávida de gêmeos, e a mãe da menina também. Trocando em miúdos, estupra, mas não mata.

Sou católica até o osso. Até pouco tempo atrás eu era beata, papa-hóstia, rato de igreja. Só de uma outra cepa. A "minha igreja" é a igreja das CEB´s, da Teologia da Libertação, de bispos progressistas como Dom Paulo Evaristo, Dom Angélico, Dom Pedro Casaldáliga. Para essa gente conservadora que anda rodando por aí, eu sou uma católica comunista.

Mas isso foi em outros tempos, infelizmente, porque hoje o que se vê é um retrocesso cada vez maior. Falo das bases, porque o Vaticano não tem como retroceder, porque nunca avançou um milímetro sequer. Se ainda assim, algo ruim pode se tornar pior, o ultra-conservadorismo da Igreja Católica Apostólica Romana foi coroado quando o cardeal Joseph Ratzinger se tornou Bento XVI. Antes de se tornar papa, o cardeal Ratzinger foi o prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, instituição eclesial herdeira da Santa Inquisição, e nesta condição que o ex-combatente do exército nazista impôs um voto de silêncio - ou seja, um cala-boca - no então frade Leonardo Boff, pela sua opção preferencial pelos pobres, acusando-o de comunista, esquecendo-se talvez que era esta a mesma opção do mandachuva desse negócio todo, mais conhecido como Jesus Cristo.

O próprio Leonardo Boff afirmou que os cardeais do Vaticano são como cavaleiros medievais perdidos no tempo, e com razão, porque a postura da Igreja Católica Apostólica Romana de condenar brutalmente aborto e anticoncepção conta mais contra os propósitos da Igreja de conquistar e manter mais adeptos do que a favor. Essas posturas endurecidas estão afastando as pessoas da Igreja e mesmo com o "crescei-vos e multiplicai-vos" a todo vapor, todo este rebanho Divino vai acabar pastando em outras paragens...

Eu não estou a fim de pastar outro capim, mas este caso da excomunhão me deu nojo de ser católica. Sou contra o aborto, não faria um. Mas sou a favor da total legalização do aborto, além dos casos já permitidos, porque estima-se que são feitos em torno de um milhão de abortos ilegais no Brasil. Com a legalização, o Ministério da Saúde teria números exatos e maior controle sobre a situação, o que daria condições de evitar a morte de mulheres que fazem abortos nas condições mais abjetas possíveis. A ideia não é defender a vida?

“Pregar sua doutrina no interior dos templos é um direito legítimo de todos os religiosos. Agora, quando um representante da Igreja Católica Apostólica Romana tenta interferir nas decisões da Justiça, ou faz essas declarações à imprensa, está claramente procurando exercer inapropriada influência pública sobre o Estado laico, construindo um discurso de intolerância e intransigência oposto à idéia de vida que alega defender”, como bem afirmou o movimento feminista. Ou seja, o dileto arcebispo meteu a sua colher onde não foi chamado. A Igreja pode se posicionar politicamente, mas não pode interferir nas decisões do Estado.

Minhas bolas voltam para esquerda, até. A indignação que tomou conta de mim é tamanha que jorro e jorro este textículo - sem condom, pois minha religião não permite - e não consigo concluir, sem contar que por castigo divino, sei lá, perdi quase todo o textículo na hora de finalizá-lo. Não contavam com minha astúcia: minha memória está tinindo. Escrevi tudo outra vez, por pura subversão.

Neste mar de contra-revolução, a onda de retrocessos é tão grande que anda pegando até os "peixes mais anfíbios", como eu*. É tanto caldo de ando tomando, que tô ficando até zonza. Citando Macaco Simão, no país da piada pronta, a gente ri é de tristeza.

Notas 'Inútieis':

* Não existe folha corrida de processos, até onde eu sei, existe pilha. Mas fica a construção poética da coisa, até porque tenho mais medo do Maluf do que do Fernandinho Beira-Mar.

**Esta pérola foi proferida pelo meu batráquio amigo Zé, após me ver tomar um triplo caldo no mar da Big Beach, alegria de todo paulistano que só vê água salgada quando faz macarrão.

2 comentários:

Luiz disse...

Perfeito,concordo em gênero, número e grau.
Por isso que continuo na minha cruzada mesopotamica, como diria o Macaco Simão, de criticar as imagens dogmaticas do catoliscismo:

http://www.flickr.com/photos/luizcorreia/3345080139/

http://www.flickr.com/photos/luizcorreia/3336917424/


Desculpe se peguei pesado.

Frida f5 disse...

Só de pensar que a gente já foi coroinha de igreja. Graças ao Barbudão, ninguém nos bolinou de modo "estranho", como diriam She-ra e He-Man...