segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Rock Brasília

"É para um dia a gente contar a história da nossa turma."

Adoro histórias. Contá-las, ouvi-las. Uma, duas, dez, oitocentas vezes. A oralidade me encanta desde que me entendo por gente. Os causos do meu avô, as piadas da Dona Irene, do meu pai, as minhas próprias pataquadas da adolescência e início da idade adulta que adoro contar, recontar, rir delas quantas vezes me der vontade.  



Só por isso, já me conquistaria Rock Brasilia - Era de Ouro. Confesso que só não gostei muito desse subtítulo. É piração minha ou este "Era de Ouro" engessa o furacão que bagunça meus cabelos até hoje? Deve ser mesmo excesso de análise e opinião da minha parte. Vladimir Carvalho, em entrevista à TV Brasil,  fala sobre o processo de criação do documentário, que começou lá nos final dos 1970. Pegando carona na metáfora, ele estava no olho do furacão - era professor da UnB - e soube reconhecê-lo no momento. É por isso que Rock Brasília não tem cheiro de naftalina, com gente saudosa falando de um passado longínquo. Tá tudo na carne, hoje. O grito do Planalto Central ecoa em nossos ouvidos agora mesmo.



Tudo isso é a parte conhecida, é um pouco óbvio demais que eu gostaria deste documentário, sendo que não só Legião que fez minha cabeça, pele e nervos desde a adolescência. O surpreendente - ou pelo menos, desconhecido até então para mim - é a visão de dentro do furacão de momentos-chave de destas trajetórias,   como o fatídico show da Legião Urbana no estádio Mané Garrincha - onde um bando de antas brasilienses identificaram o status quo na figura do Renato e da Legião e os atacaram, literalmente. Não sei se consigo captar a dor que este engano causou em toda a sua dimensão, mas conheço muito bem o sentimento mais do que amargo de fazer o diabo para conseguir um lugar ao palanque, com a ingênua ideia de subverter a ordem com o microfone "deles" na mão e ser identificado como um aparelho do sistema. Gente burra, mais do que raiva, me dá medo.

E a pegada "Pais e filhos" do documentário não é nem um pouco forçada, afinal essa galera é mesmo filha da Revolução! Filhos de diplomatas, professores universitários, funcionários públicos, eles foram os responsáveis diretos por tudo isso, acenderam a banana de dinamite sem nem se dar conta disso. Quem mandou se mudar com a família para o meio do nada, com um bando de moleques loucos por música sem xonga nenhuma para fazer, bem no final da ditadura militar, com o punk rock pegando fogo na Inglaterra? Agradeço-os imensamente por isso!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O patriarcado segundo Agostinho Carrara

Cena1
Bebel: Qual o problema de ser olhada?
Agostinho (exaltado): Não gosto! Não gosto! Não gosto de vagabundo olhando a mulher da gente, que isso!
(...)
Bebel: Quer dizer que a gente nunca mais vai à praia? (Olha para seus novos seios siliconados)
Agostinho: Maria Isabel, não tenho culpa, a gente vive num mundo em que as pessoas estão degradadas moralmente... (Exaltando-se ainda mais) Vagabundo não respeita mais a mulher dos outros! ´Cê tá com a sua mulher, nego olha pra ela, olha dentro dela! Lá de onde eu vim isso é coisa inadmissível! Não tem mais condição de ir à praia não!
Bebel: Escuta aqui, neguinho: não sou cuscuz pra morrer abafada, hein? Pronto, falei! (Levanta, estufa ainda mais o peito, e sai rebolando)


Cena 2

(Bebel tomando sol no quintal de casa. Um bando de marmanjos olhando)

Bebel: Acontece, neguinho que o corpitcho é meu!
Agostinho: Não é não! É nosso! Nós casamos em comunhão de bens, metade é meu!
Bebel: Isso diz respeito aos bens materiais, não ao meu corpo!
Agostinho: Mas, Maria Isabel, acontece que eu considero que certas partes do seu corpo são bens materiais meus!
Bebel: Tá falando de que? Do meu silicone, é?
Agostinho: É, tô falando dos 120 ml de silicone, que eu tô pagando em 36 vezes, tenho direito de não querer que marmanjo usufrua de um investimento que fui eu que fiz!



Cena 3:

Agostinho: É território! O que é dele, tem que limitar! Tem que lutar pelo o que é dele, ficar alerta, ficar de guarda, senão, vagabundo toma posse, entendeu? Toma posse! Vagabundo chega junto!

Que Simone de Beauvoir que nada! O filósofo do horário nobre Agostinho Carrara (Pedro Cardoso) sintetizou a posse do corpo feminino enquanto território do macho como ninguém, explicando o conceito e demonstrando! E ainda há quem tome as discussões de gênero como coisa de feminista ultrapassada.




Lineu Silva (Marco Nanini), quem diria, também não fica atrás. Enquanto sua esposa estava cantando como hobby, tudo bem, agora quando ela começa a gostar da brincadeira e a virar profissional, hum, não vai dar, não! Começa a se deslumbrar com o mundo, com o próprio sucesso... Isso chama a atenção de outros homens.





Assistir a Globo para esperar a transmissão da Record do voleibol feminino também enriquece meus estudos – amadores – sobre a questão de gênero.  Aliás, não sei por que tanto me espanto. Mídia serve para isso mesmo: criação e reiteração da norma. Onde está a surpresa?

Não sei porque também me surpreendo com o final. Dentro do ônibus, ao perceber um olhar de cachorro-olhando-frango-de-padaria de um malandro em sua direção, Bebel olha para Agostinho e diz: “Você não vai fazer nada, neguinho?” Quem primeiro contribui com a reiteração da norma são, em geral, as próprias mulheres. 



O mais engraçado de tudo isso é que o tiro sai pela culatra. Agostinho esquece toda sua cabra-machice ao encarar o marmanjo que estava olhando a sua mulher, que era duas vezes maior que ele, um autêntico sibito de lagoa de tão magricela. Não dá para levar este mundo a sério mesmo! Ainda neste século, tudo que a mulher ainda não conseguiu é ser dona da sua própria voz.

sábado, 15 de outubro de 2011

Aos alunos, com carinho

Esta cambalhota é para o poder ultrajovem 

Todo ano eu penso em escrever no Dia dos Professores, mas nunca faço, por vários motivos. O primeiro deles é o cansaço. Outubro é o mês da ladeira da preguiça, quando ela fica mais inclinada, perto do topo. O outro é que modestamente penso que nós precisamos de respeito e não de homenagens, apesar de agradecer todo o carinho dos meus alunos, que brigam para apagar a lousa e carregar meu material todo santo dia (risos); dos meus colegas, principalmente aqueles que não perdem o bom humor frente à árdua ralação dentro e fora da sala de aula e da minha família, que ainda se orgulha de ter uma professorinha no clã. O terceiro é que durante o ano inteiro, meu ofício me instiga a escrever. Para quem nunca provou textículos, tente o marcador Educadora em Chamas ou Professorinha para comprovar o que estou dizendo. 



Pensando melhor, tenho mais motivos e mais convincentes para fazer este textículo do que para não fazê-lo. O papo é diretamente com meus alunos. O negócio é com vocês, molecada. Esqueçam aquela conversa de futuro. Educação não é para o futuro, é para o presente. Se existir algum futuro, será consequência. Esqueçam também aquela ideia de que vamos ensinar alguma coisa para vocês. É muita pretensão da nossa parte acreditar nisso. Aprende quem quer aprender, e ninguém aprende sem se colocar a mão na massa, sem dar a cara para bater e isto, nós, os professores, não podemos fazer por vocês. O máximo que nós podemos fazer é indicar caminhos, e nenhum será atraente para todos ao mesmo tempo. E o melhor que vocês tem a fazer é ao menos olhar nas direções que a gente aponta. Só assim vocês vão descobrir o que gostam de fazer e o que fazem melhor. 

Professores, em primeiro lugar, são seres humanos. É prerrogativa nossa errar. Professores não são pais, nem mães (pelos menos dos alunos), nem psicólogos - a não ser que seja professor de Psicologia! - nem juízes ou delegados (com alguma sorte vocês podem encontrar alguns em faculdades de Direito). O Magistério é um ofício, nada mais do que isso. Não é sacerdócio, nem martírio. Perde-se muito tempo confundindo as funções, criando um desgaste horroroso e desnecessário. Por isso tantos colegas enlouquecem - de verdade. A carga emocional é mais pesada que a intelectual e nas licenciaturas (cursos  para formação dos professores), só se fala, lê e pratica questões a respeito da segunda e não se fala NADA a respeito da primeira, talvez porque não seja mesmo o nosso ofício ser madres-teresas-de-calcultá e mahatmas-ghandi da Educação. 

Então, ô garotada! Parem já com esta palhaçada de colocar seus professores ora no pedestal, ora na ante-sala do inferno, porque a gente é normal - e de perto ninguém é! O poderzinho que nós temos na mão é como as forças armadas da Suíça, não serve pra nada! Se obedecer é chato, mais chato ainda é ter que ficar mandando. E além do mais, tenho o direito de ter prazer em fazer meu trabalho, porque Educação, pelo menos para mim é isso - descobrir possibilidades, talentos, habilidades, e tudo isto é diversão para mais de metro! Vou ter marcado o gol de placa da minha vida toda se vocês aprenderem a cultivar este gosto também, porque foi por isso que me tornei professora - por um amor tão grande ao conhecimento e ao ser humano. O resto são papéis, e isto o vento leva. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eric Clapton

Como se fosse a sala de casa!
Estive no show do Clapton no último dia 12. Antes eu me perdia em um milhão de coisas desnecessárias, como por exemplo, pegar set list do show antes, e depois, ler as críticas. Ah, as críticas. Larrosa tem razão: padecemos de excesso de informação e opinião. Geralmente, não se aproveita nem 10% do Festival de Bobagens que o povo fala e que a mídia veicula. 

Saca só: estávamos no show do Eric Clapton, conhecido como DEUS da guitarra. Não é rei, não é mestre, precisamente deus. Até eu, que sou falastrona, me calo diante de um deus. Mas sempre há um entendido para cuspir informação inútil. Diante de um solo nas primeiras do show, um ser me solta um: "Que feeling!" Não é uma das piores que eu ouvi na vida, mas dava para passar sem essa. Cala a boca e escuta, ô infeliz! 

Andaram reclamando que ele não fala com o público. Isso é coisa de gente carente e desavisada. Se querem um entertainer, que tentem os animadores de auditório. Há também shows de stand-up feito por pseudo-comediantes de péssimo gosto que só sabem fazer piada de gordo e loira de primeiríssima linha pululando a cada esquina. Eles animam à beça, ó!

Artista agrada com a sua arte, não fazendo sala. Depois de tantos anos com a guitarra em punho, para que falar? A guitarra fala, grita, geme, sussurra por ele, não é necessário mais nada. 



E ao final, as críticas. Graças ao Barbudão, dispensei essas muletas para construir meu gosto. Mas ainda me reservo a ingenuidade de me indignar. Dizer que Gary Clark Jr. - guitarrista que fez o show de abertura era ruidoso e exagerado é um pouco demais. Quer botar defeito no show, fala que o telão pifou, que não se achava o local para se retirar os ingressos porque a comunicação visual não estava comunicando nada,  e que por sua vez os funcionários não passavam nenhuma informação corretamente, que o preço das bebidas e comidas era extorsivo... São defeitos de verdade, nem é necessário inventar.

Este show poderia ter rolado num estádio de grande porte como o Morumbi ou num boteco obscuro. Poderia ser o deus da guitarra, ou um tiozinho inglês de 66 anos que toca um blues desde que se entende por gente. Não mudaria muita coisa. Num lugar daquele tamanho, e todo mundo tão catatônico (e quieto) que o áudio dos vídeos está perfeito - fora quando eu resolvi cantar Layla, mesmo rouca.

À parte todos os rótulos, o que fica é a música. Nada mais importa, para quem a ama de verdade. Só quem estabelece uma relação direta com ela, sabe do que estou falando. Coisa de viciado em grau máximo.

Para os que amam a música do fundo do seu baço é que eu dedico esta cambalhota! 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Solar

                                                            Para meus cachorros

Quem sabe também não estejamos lá
Eu e meus cachorros, 
Às seis horas da tarde, no Viaduto do Chá
À espera do ocaso, se acaso ele chegar.

Trouxe Pozzo e Lucky na coleira, mas nem precisaria.
Eles não avançariam em você nem por um afago, estão tristes como o quê.
Não latem mais, rabos retraídos, a tigela de comida intacta.
Parece até que descobriram que não enxergam em colorido.

Pôr-do-sol no centro da cidade, mas que bobagem.
Só você mesmo para ter uma ideia dessas.
Como se Sol não fosse Sol em qualquer lugar do mundo,
Como se ele só se pusesse em São Paulo.

Esperar o Sol se por é pior que esperar Godot
Ele nunca chega, é justamente o oposto:
Poente é sempre partida. E disso eu entendo
Que estou sempre esperando, que estou sempre de partida.

Você é tão engraçado! Age como um semideus.
Acende um cigarro e pronto,
Procurar sentido é coisa para mortais.
Deixa isso para bestas melancólicas que levam cães para passear como desculpa. 

Você e seus cigarros, eu e meus cachorros.
Não dá valsa nem samba,
Ninguém dança de armadura.                                     
Cada um com seus escudos, paralelos, absurdos.

E quando a noite chegar? Eu fico me perguntando quem vai levar Godot para casa.
Mas é claro que estou variando.
O Sol, Godot, você e até meus cachorros,
Todos já se foram.

Agora, tudo são cadeiras vazias e uma noite sem fim.
Entretanto, sem esperar por mim, novos dias sempre chegam.
Então, antes que eu de fato enlouqueça,
Em vez de pôr-do-sol, é melhor que amanheça.