segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Escritos Errabundos II - Reflexões sobre o moderno e pós-moderno que eu não sabia que “tinha esse nome”

             Quem me conhece ou me lê sabe que não bato bem do pino, por isso vou me poupar de explicar porque estou publicando um Escrito Errabundo II, sem ao menos ter-lhes explicado o que é um escrito errabundo e onde está o primeiro escrito por mim. No máximo, traço algumas narrativas. Nelas é que está a força do mundo - o Universo é feito de histórias, não de átomos (Muriel Rukeyser)
             Depois de ter lido Larrosa, descobri que além de poemas, resenhas críticas, contos e crônicas, textículos também podem ser ensaios filosóficos muito dignos. (E nutritivos, sempre). Os textículos desta série são o trabalho final da disciplina Intervenção Urbana como Práxis Arte Educativa, ministrada pela Professora (e já muito querida) Carminda Mendes André, que fiz no meu primeiro ano de Mestrado em Artes na Unesp. Já escrevi muita bobagem aqui, mas muita mesmo. Felizmente, algumas coisas se aproveitam e descobri que eles eram um bom ponto de partida para falar da relação sempre complexa que mantenho com o tempo. Como um ensaio, tem uma forma híbrida - às vezes se leva a sério como escrita acadêmica, mas uma hora eu não me aguento e tiro sarro disso. (A cambalhota do Drummond, lembram?) Todavia, não é porque estou brincando, que não estou falando sério... E LÁ VAMOS NÓS!



Desde 2008, eu mantenho este blog chamado Textículos de Mulher. Atualmente com postagens mais rarefeitas, porém acredito que é por causa dele que compreendo o que é uma escrita ensaística, como Larrosa Bondía (2003), no artigo O ensaio e a escrita acadêmica, onde ele trata do artigo como uma escrita subjetiva e híbrida.

O ensaísta inicia no meio e termina no meio, começa falando do que quer falar, diz o que quer e termina quando sente que chegou ao final e não por que já nada resta a dizer, sem nenhuma pretensão de totalidade. (BONDIA, 2003, p. 12).

         A escrita de textículos – este nome genérico para textos em prosa, que podem ser crônica, conto, crítica de alguma coisa que assisti e que me provocou o pensamento, relato de uma experiência pessoal ou uma reflexão sobre um fato político ou qualquer coisa que me cause espanto – desde sempre seguiu essa não lógica, este caminhar no escuro sem motivo definido (não me obrigo nem pela vontade de manter o blog atualizado, se tenho leitores assíduos, nem fico sabendo): caminho porque quero caminhar, escrevo porque quero escrever. Ser uma fazedora de textículos, então, é um exercício de desobrigação, exatamente como Adorno (2003) coloca, citado por Larrosa:

Felicidade e jogo lhe são essenciais. Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo sobre o que se deseja falar; diz o que a respeito lhe ocorre e termina onde sente ter chegado ao fim, não onde nada mais resta a dizer: ocupa, deste modo, um lugar entre os despropósitos (ADORNO, 2003 apud BONDÍA, 2003, p. 109).

Neste jogo de me deliciar com as palavras - porque organizam temporariamente minha confusão - descobri muitas obviedades, discussões que já estavam postas, mas como diz outro blogueiro que gosto bastante, Rogério Skylab, “se quer novidade, leia jornais” (Eu poderia emendar até Raul Seixas, que dispensou os jornais, porque descobriu que “mentir sozinho eu sou capaz”, mas não vou. Este é um trabalho acadêmico lotado de foco e ironia). 


          Por ter derivado tanto tempo nestes botes falantes, quando começamos a discussão sobre moderno/projeto moderno/modernidade e pós-modernidade me soava familiar, apesar de não ter lido anteriormente Lyotard, Agambem, Foucault, Baudelaire. A disjunção do contemporâneo, a modernidade grávida do pós-moderno, aquilo que nos desafia por ser novo e velho simultaneamente, por exemplo, fervilhavam na minha cabeça desde muito tempo. E saber que estes filósofos existem e tratam destes assuntos quando eu sequer sabia da existência deles não diminui a temperatura dos meus pensamentos. Eu só rio de mim mesma por ter inventado a pólvora pela segunda vez.


Como eu gosto de autocitação, vou colocar alguns parágrafos aqui – talvez seja hora de revisitá-los junto com os textos lidos e discutidos nas tardes de quarta do segundo semestre, mas a análise deixa para depois:

“(...) se é “da minha época”, é datado já, não faz parte da geração deles”.  

      É aquele “hit do momento”, condenado ao esquecimento logo depois. Hoje, a publicidade, a cultura visual e digital revisitam estas múmias do passado - não sem ironia e sarcasmo - e “velhas piadas” ganham seu F5 (comando do Internet Explorer para atualizar uma página). Reler este textículo de 2008 tem algo de muito engraçado. Como ele já tem sete anos, algumas coisas são citadas como o “último grito da moda” já não existem mais, como MSN e Orkut. E talvez meus alunos de agora desconheçam completamente essas “novas velharias”. Ou seja, ele caiu na armadilha que ele mesmo levantou.


Esta piada velha me fez rir um bocado. Traquinagem de uma colega em fim de semestre. 

                  “Velhas piadas” também me provocam velhas reflexões – apesar de “velho” hoje em dia ser um conceito bastante questionável. “Só a mulher entre as coisas, envelhece”, diz Adélia Prado. Isso fornece um gancho para o próximo textículo. Piadas Velhas, o Provocador e Eu relata meu brevíssimo encontro com Antônio Abujamra. Eu já estava formada e fui assisti-lo na FAMOSP em um projeto que se chamava Teatro na Universidade, coordenado por Paulo Goulart e Nicete Bruno. Como boas alunas egressas que éramos eu e minha amiga na época, a coordenadora do nosso curso perguntou se queríamos conversar com ele depois do espetáculo. Aceitamos. Eu por falar demais me enfiei numa minissaia justa, mas que me deu um bom caldo para reflexão: qual o problema com piadas velhas? (Clichês e coisas antigas que você conheceu só agora, mas que para um monte de gente não é nem mais novidade). Ao contrário do anterior, que quis ser moderninho e deu uma mofada, este textículo está tão novinho em folha que hoje, não mudaria dele uma palavra sequer: manteve sua promessa de poder ser consumido a qualquer momento sem perder sua validade. Sua ironia dolorida em relação ao neoconservadorismo burguês (e moderno), citado por Habermas no texto que lemos, só se tornou mais intensa e estarrecida com ela mesma – quisera ela que estivesse datada.


“(...) Filhos da Revolução (de qual delas eu não nem sei mais), nascemos com saudades dos anos 60, até da repressão. Ah, os presos, torturados, exilados e até os desaparecidos é que foram felizes! Eles tinham uma ideologia para viver!
Tenho a impressão de que a gente cresceu com a ideia de que não era necessário lutar por mais nada. Com esta democracia instantânea (basta adicionar água e pronto), lutar por qual causa? Tantas vezes acreditei nessa piada velha, mesmo sem achar graça. Enganada redondamente, é claro. As coisas não vão nada bem, este século XXI está sendo uma grandissíssima merda, por motivos vários que renderiam um novo Textículo.” (Piadas Velhas, o Provocador e Eu, março de 2008).
Com o momento de que estamos vivendo - onde até a “democracia instantânea” corre perigo e depois de passar os olhos por Habermas e Baudelaire, a única ressalva que faço é o que meu amigo Luiz Filipe colocou nos comentários, e que hoje eu compreendo melhor: “vai saber por que essa vontade de mudar um mundo que já passou e não nos damos conta do mundo que acontece a nossa volta e que está no porvir”. 

...Felizmente, xs estudantes secundaristas de São Paulo parecem nunca ter estado contaminadxs por essa nostalgia besta que me cegou por tanto tempo. A luta É um devir, é estado permanente. Preciso me acostumar com isso.
A “nostalgia besta”, porém, não é de todo negativa. Este sentimento anacrônico que me sempre deslocou do presente é o “século fraturado” - como Agambem escreveu no O que é Contemporâneo? - que me faz perceber hoje o quanto sou contemporânea.
A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com próprio tempo, que adere a este e ao mesmo tempo, toma distâncias (...). Aqueles que coincidem muito com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEM, 2009, p. 59).
            Por esta mesma contemporaneidade anacrônica é que Amy Winehouse me intrigou desde o primeiro momento que a ouvi e vi. A imagem dela é muito mais para mim que a disjunção de uma europeia judia com voz de negra estadunidense, mas este foi sim meu primeiro espanto relacionado a ela. E o primeiro amor também. Ela destoava de todas suas contemporâneas – não era fashion, não era sexy, não parecia querer ser sexy, nem saudável (aliás, entrou para o Clube dos 27 como não acontecia desde Kurt Cobain). E sua morte lenta – quem a viu no show em 2010, percebeu que ela estava qualquer coisa, menos viva – me fez refletir sobre que tempo é este que estamos vivendo. E estas reflexões brilharam como uma constelação resplandecendo numa densa treva (esta luz que não chega até nós, como Agambem colocou), cada vez que saía das aulas de quarta.
“(...) Este desejo de ser contemporâneo é mais velho que o mundo. É o mesmo que nos faz datados, amarelados pelo tempo. Aquele que causa espanto, estranheza ao fazer com que a gente se reencontre com uma versão velha de si mesmo. (Atire o primeiro álbum de fotografias quem se viu numa foto antiga e agradeceu aos céus por não ser mais aquela imagem, que mesmo mais velho, com mais dores para contar, deu graças a Deus porque enfim o tempo passou).

No passado, quisemos ser modernos.  E agora, queremos ser o que, contemporâneos, pós-contemporâneos? E no futuro, quereremos o que? Ser úbere-ultra-right-pós o que?”(Sobre o tempo II, julho de 2011.).

A morte de Amy significou, naquele momento da minha vida, a morte desta nostalgia besta, deste anacronismo. Achei que eu sucumbiria e me tornaria moderna, no sentido de sempre correr atrás da novidade, como se tivesse uma cenoura amarrada à minha frente. Apesar de ainda estar viciada na ruptura, como quem constrói um castelo de cartas e puxa a que está na base, acredito que acabei me aproximando da ideia da perlaboração (Lyotard), da pós-modernidade (onde o atual e o anacrônico convivem e as piadas velhas podem enfim, ser velhas sem ser incomodadas), e o tempo como espiral, que aprendi com a querida Rita Antunes (co-orientadora e autora do constructo que apoia minha pesquisa). Todos estes conceitos e ideias estavam orbitando, esperando a hora de entrarem em cena. E só assim, na forma de textículo, é que eles poderiam enfim, contracenar.



E como ato final, respeitando o tempo do textículo-ensaio que só acaba quando ele quer, encerro com um poema que escrevi quando Marty McFly enfim chegou ao futuro, em 21 de outubro de 2015. Ainda tive que aguentar a provocação do colega Carlos Foucault dizendo: “Nossa, estas eram suas anotações das aulas da Carminda!”  E eram mesmo, descaradamente!

Assim como nas aulas, falei e escrevi muitas bobagens neste blog e na vida. O tema do próximo ensaio do meu Escrito Errabundo II será as bobagens que eu disse em aula, mas que também me serviram para a reflexão.

Referências

ALVES, F. T. (Auto citação pouca é bobagem). Textículos de Mulher. Disponível aqui mesmo!  
AGAMBEM, Giorgio. O que é contemporâneo e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2009.
BONDÍA, Jorge Larrosa. O ensaio e a escrita acadêmica. Revista Educação & Realidade: set/dez. 2003, p. 101-115.


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