O verdadeiro código binário |
Ele costumava dizer que desde que Deep Blue derrotou Kasparov, o mundo nunca mais foi o mesmo. Era a vitória do cálculo binário sobre o imponderável humano, coisa em que, aliás, ele nunca acreditou.
Ele calculava suas jogadas com no mínimo dez lances de antecedência, isto se ele não derrotasse seu opositor com menos que isso. Para ele, tudo era passível de planejamento. Ela costumava chamá-lo de Exterminador do Futuro: só podia ser feito de metal líquido por dentro. Tinha um cooler no lugar do coração.
Ela era puro caos. Jamais planejava jogadas, respondia ao lance seguinte tentando escapar das ciladas que ele, travessamente, armava para ela. Ele tentava com isso fazer com que ela fosse menos impulsiva nas jogadas, mas não adiantou de nada. Para ela, jogar xadrez era uma aventura na selva. Até tentou aprender do jeito dele, mas não conseguia. Ela se encontrava na bagunça.
Esta combinação poderia ser desastrosa, mas o fato é que não era. Na maioria das vezes, ele ganhava, mas ela costumava dar bastante trabalho para ele conseguir a vitória. Era a única que o deixava louco com sua imprevisibilidade e tenacidade, ela não era de empatar ou abandonar. As partidas eram longas e desafiadoras, assim como as transas.
Dividiam-se entre a cama e o tabuleiro. E o tabuleiro era o avesso da cama: ela fazia questão de deixar seu rei nu, de despi-lo principalmente deste raciocínio lógico-matemático que de tão assertivo, chegava a ser irritante. Ele, por sua vez, fazia questão de se vingar: toda a imprevisibilidade a qual ela o submetia no xadrez, ele a fazia passar na cama. Penetrava nela nos lugares mais insólitos, em todos os buracos do corpo e com todos os seus falos. Fazia questão de comê-la com todos os talheres.
Ele, no final das contas, ganhava na cama e no tabuleiro. No xadrez, sua técnica era vencedora, ela só era uma adversária estranhamente difícil. Na cama, a abatia com a mesma competência: sua técnica sexual era tão eficiente quanto a sua técnica enxadrística. Fazê-la gozar era para ele um xeque-mate.
De tudo que ele ponderava, ela simplesmente ria. No tabuleiro, ela era caça fugidia, a vítima do astuto predador que manipulava até as fugas de sua presa. Na cama, ele perdia a cabeça e de quebra, a servia como se serve a uma rainha. E ela ainda o fazia pensar que a ideia partia dele. Bobinho.
... Por essas e outras é que ela achava essa história de computadores derrotando o humano uma tremenda bobagem. Código binário para ela, só se fosse Yin e Yang, Apolo e Dioniso. E como funcionavam bem juntos.
Flavia Teodoro Alves
16/03/2010
Texto revisado por Adriana Gregório
Texto revisado por Adriana Gregório
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