sexta-feira, 19 de junho de 2009

Vergonha de ser gente

Uma vez ouvi que o professor é uma criatura burra por excelência, porque nunca sai da escola. Claro que isso é um trocadilho, mas sabe-se muito bem que hoje em dia, declarar-se professor desperta no senso comum dois sentimentos, ambos antagônicos e nada lisonjeiros: piedade ou escárnio. Quem opta por essa carreira é tido como burro, mesmo que seja de uma forma velada e tem uma gente escrota que declara isso abertamente, através de discursos e de certas posturas que a gente vê em alunos e suas famílias - diria eu apenas doadoras de DNA, família para mim é outra coisa.


Já disse isso anteriormente, e isso não é papo café-com-bolacha¹ apenas. É fato. A falta de valores em que se basear é tão grande que dia desses, me dei conta que esse tipo de discurso que defendo são valores burgueses puríssimos - escola, família, lutar pra ter um emprego, etc. Por mais à esquerda que eu me considere, fui criada à maneira pequeno-burguesa e outra, a crise de valores está tão grande que qualquer valor serve - burguês ou não. Se eles ainda valessem alguma coisa, a atual juventude teria porque lutar, mas como não tem, estão cada vez mais letárgicos e agressivos - outra contradição.

Duas notícias pinçadas recentemente exemplificam bem o que estou falando. Como contra fatos não há argumentos, deixo que elas falem por si mesmas:



Preciso dizer que a primeira notícia mostra que este caso não passa de um refinamento de algo que existe desde tempos imemoriais na instituição escolar - o bullying - com a diferença de que este citado agora fez uso das chamadas mídias 2.0 (Orkut, principalmente). A segunda trata-se de mais uma descoberta da pólvora. Escola é, por excelência, uma instituição cruel com as pessoas, por ser um microcosmo da sociedade, uma amostra grátis do pior do ambiente em que a gente vive. Muita gente não entende o oximoro que sou: quando criança e adolescente, adorava estudar, mas detestava escola, assim como sou hoje uma professora que adora seu ofício, mas que odeia a instituição escola o triplo que odiava nos seus tempos de estudante. Ô lugarzinho medíocre, e olha que adoro as minhas escolas (eu não contente com uma, tenho duas dores de cabeça para privilegiar os dois lados do cérebro).

Sem contar os casos que vejo ou que fico sabendo no dia-a-dia e que não são noticiados. Nesta semana soube de dois que são de amargar, me dá vergonha de ser gente por essas garotas. TODAS as protagonistas são garotas. Qual é a desculpa pra isso: excesso de testosterona ou falta dela?

Essa primeira notícia deu no último Jornal Nacional, e é lógico que foram consultar um "especialista em Educação". Quando ouço essa expressão já começo a tremer - algum tonto graduado vai desfilar o rosário do Bestiário Tucanês da Educação², e aposto minha coleção de figurinhas que nenhum deles pisou numa sala de aula do ensino básico. No máximo algum pode ter dado aula no ensino superior, porque se virar nos quarenta e cinco no ensino fundamental e médio é coisa pros peões da Educação, como eu. No caso do JN de hoje, bingo! O desavisado da vez bateu mais uma vez na tecla do diálogo, como se a molecada de hoje quisesse isso. Eles pedem por limite e cada vez mais de uma forma consciente. Quantas vezes não ouvi: "Professora, bate nele!" ou "Manda ele pra diretoria!". Como a impunidade é grande, os nossos alunos sentem isso e esta ânsia por limites em casa e na escola acaba virando um catalisador de contrarrevolução. Ficam com saudade do tempo da palmatória. Nem eles aceitam esse discurso hipócrita que transforma um ECA num desserviço à educação dos mais jovens, principalmente na escola, que é um espaço público e visado, ao contrário do espaço doméstico, mais difícil de fiscalizar.

Muita gente me pergunta: mas por que você não sai dessa? Um dia posso até sair, mas quando EU quiser. Quero ter o direito de gostar do que eu faço, oras. De uma hora pra outra, educação virou futebol: todo mundo entende, todo mundo dá pitaco, mas sempre prevalece a aura romântica em torno da figura do mestre, embora constantemente desmoralizada. Não sou um Dom Quixote, porra! Estudei para ser professora, não para lutar com moinhos de vento e não me sinto na menor obrigação disso, porém...

...Do que dá certo ninguém fala, só das desgraças mesmo. Tenho uma notícia muito boa para dar aqui, só estou esperando que ela tome mais consistência para ser divulgada. É como a Bruna citou no seu blog:
"A árvore cai com grande estrondo, mas ninguém ouve a floresta crescer."
Patrick Pardini


O poder ultrajovem vem aí. Aguardem!

Inútieis:
1 - Papo café-com-bolachas é a conversa típica de sala dos professores: ora reclamando da vida, ora rindo das pequenas desgraças cotidianas.
2 - Existe um outro sinônimo para o Bestiário Tucanês da Educação, criado por alguns colegas: chalitar. Quer coisa mais irritante que ele, querendo se parecer com Dalai Lama falando? Ah, me poupe!

4 comentários:

Luiz disse...

Chalitar é foda!
Quando fiz um curso na Faculdade de Educação a minha professora disse que uma vez foi em uma palestra do ilustre Chalita, e as professoras presentes nem prestaram muita atenção no que ele disse. É que a aura e a beleza de bom moço dele deixou todas hipnotizadas.
Quando ela comentou isso eu lembrei da eleição do Collor que muitas mulheres preferiram votar no candidato bonitão e esportista, em vez votar no sapo barbudo e ex metalurgico sujo.

¡B! disse...

Nos tempos de hoje valores então valendo muito!!
Outro exemplo para seu (ótimo) texto é a "greve usp", onde alunos também fazem greve!!
E obrigada pela citação da citação, hehehe...abraços!

Frida f5 disse...

Já vi o Chalita falar também, quando eu nem sonhava em ser professora. O homem é articulado pra falar, só que ultimamente nas entrevistas pela TV ele fica falando baixinho, sabe? Acho que ele pensa que é a Monja Cohen! Medo-o!

Unknown disse...

Pq eu sempre tenho q concordar com vc? Vc é f*