quinta-feira, 7 de maio de 2009

Viva Boal

É incrível como a gente fica desinformado quanto mais a gente tenta se informar. Ainda há perigo de se enlouquecer com a quantidade absurda de informação inútil que a gente recebe. Nessa semana, deliberadamente fiquei sem assistir TV, sem acessar a internet, nem ouvindo rádio. Abri meu e-mail só na quarta-feira e só aí descobri que Augusto Boal, gênio do teatro brasileiro, diretor e dramaturgo, criador da metodologia do Teatro do Oprimido, havia falecido no sábado.

Como Villa-Lobos, Paulo Freire e outros gênios brasileiros, o trabalho de Boal é mais conhecido lá fora do que em terras tupiniquins. Sou formada em Artes Cênicas e garanto que o que sei sobre a metodologia do Teatro do Oprimido consegui aprender por fora*, porque falou-se muito pouco sobre o trabalho de Boal durante a minha formação, alicerçada no método de teatro-educação de Viola Spolin e Ingrid Koudela.


Quando um desses morre fico com medo, porque não tem gente fazendo arte da mesma envergadura que esses caras. Os renovadores do teatro brasileiro são todos da geração do Boal e continuam na vanguarda: Zé Celso, Abu, Antunes, José Renato. Boal e Gianfrancesco Guarnieri já foram ter com o Barbudão. E aí, quem vai quebrar as estruturas e renovar o que agora é consagrado? A Arte vive disso. De quebrar estruturas, sempre.


Digo isso porque tenho certeza que Boal será sempre lembrado e mais, seu trabalho continua, através do Centro do Teatro do Oprimido. Além disso, a gente precisa de outros trabalhos tão revolucionários quanto. Mas como isso vai acontecer, se vivemos cercados de gente alienada, burra e reacionária o tempo todo? Nunca se teve tantas fontes de informação, e nunca fomos tão burros para não aproveitá-las. Tá vendo como eu tinha razão?


O Teatro do Oprimido faz parte do meu relicário de lembranças adoradas, daquelas que a gente vai ver a importância anos depois, como o clipe de No Surprises no sofá da casa do Daniel.


Em 2002 eu fiz um curso ministrado pelo MST e pela Unicamp, no campus da mesma universidade e que foi puro risco, apesar de não ter participado de nenhuma ocupação. Eu estava com 19 anos, nunca tinha viajado sozinha e pouco sabia sobre o que ia fazer lá, só sabia que representaria o Mire, movimento do qual participei até 2004. Este evento correu em paralelo com o Fórum Social Mundial em Porto Alegre e contou com a participação de alguns feras como José Arbex Jr., João Pedro Stedile, Plínio de Arruda Sampaio, e alguns políticos, quando o PT ainda era oposição. Era gente do Brasil inteiro, um monte de sotaques, gente jogando capoeira, dançando todas as noites. Foi uma experiência maravilhosa. E foi lá, numa tarde de sábado, que fiz uma oficina de teatro com gente do CTO, porque o MST usa a metodologia do teatro do opimido. Depois participamos de uma sessão. Quem já participou, sabe: a representação acontece até o momento do conflito, quando se chama a plateia para resolvê-lo como acha que poderia ser. Eu, como toda minha cara-de-pau do mundo, fui. Nessa época, nem no meu devaneio mais maluco, imaginava que cursaria uma licenciatura em Artes Cênicas.


Minha militância (nem sei se fui militante mesmo, porque nunca arrisquei minha pele de fato) durou até 2004, ano que colocou a minha vidinha de pernas pro ar. De repente, todo aquele discurso pareceu estranho, e fiquei cansada. Não via mais motivo em militar, então simplesmente parei. Não foi fruto de uma decepção ou coisa parecida, aliás, minhas posturas políticas nunca mudaram.


Isso foi uma coisa muito estranha que nunca entendi direito. Na verdade, destes anos para cá, tenho vivido como uma "pequeno-burguesa que só pensa em si mesma", primeiro ralando para me formar, depois para conseguir um emprego minimamente decente. Então, era como se minha vida fosse dividida em duas partes totalmente diferentes. Agora sinto estas duas partes se unindo, sinto outra vez estas cócegas revolucionárias, devido a este escabroso cheiro de ditabranda no ar, suave, mas incômodo, que só eu e uns poucos "privilegiados" podemos sentir.

Não estou mais interessada em militância nem nas suas instituições, que dançam conforme a música do jogo político. Descobri que um militante pode não ser subversivo, e que não precisa haver militância para haver subversão, talvez algum engajamento. Subversão é o que me interessa. Isso com certeza, Augusto Boal foi. Um subversivo de mão cheia.

Notas inúteis:
* O CTO vai prestar uma homenagem a Augusto Boal nesta sexta-feira, se existe algum leitor de textículos no Rio, por favor, vá por mim. E se alguém souber de alguma homenagem a ele aqui na Terra da Garoa, por favor, me avise. Minhas bolas voltam para a esquerda, gente!!!
*Um de seus livros que eu li foi "O Arco-Íris do Desejo - Método Boal de Teatro e Terapia", da Editora Civilização Brasileira.

Um comentário:

Frida f5 disse...

Link enviado pelo vizinhíssimo Forrest Gump a respeito da importância de Boal no exterior: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4231151,00.html