sábado, 18 de dezembro de 2010

Dias estranhos

Tenho vivido dias estranhos. À deriva, uma dor calada dentro do peito. Em outros tempos, eu jogaria garrafas no mar, mesmo que não adiantasse, mesmo que ninguém as encontrasse, eu gritaria contra esta solidão, este silêncio. Esta é a parte estranha da história. Eu nunca fui mansa o suficiente para ficar boiando ao léu, esperando por um milagre.

Quase sempre estou alegre ou triste, estressada ou eufórica, nunca neutra. E obviamente, esta neutralidade me mata de tédio, o que me fez questionar a noção de felicidade. Às vezes não estamos felizes ou infelizes, apenas estamos, boiando em alto-mar. Lembrei-me do filme do Jabor, A Suprema Felicidade. "Não dá pra ser feliz, no máximo dá pra ser alegre", diz o personagem do Marco Nanini (em entrevista, o diretor declarou que esta frase saiu da boca de Nelson Rodrigues: a cara dele, um tristonho inveterado).

Engraçado que eu quis escrever sobre este filme, quando assisti a ele, faz um mês, mais ou menos. Não sei se por preguiça, ou por falta de inspiração não o fiz. Na verdade, achei que me pegaria pelo nervo, mas como bem observou minha cara Gazela, faltou alguma coisa, não sei dizer o que. (Depois, li uma entrevista do Arnaldo Jabor, em que ele dizia que ele pensou nesse filme como uma espécie de auto-ajuda, para as pessoas encontrarem a felicidade dentro de si, ou questionarem se de fato há esta tal de Suprema Felicidade. Pensei: está explicado, ficou um pouco superficial. A arte não se explica, não cria propósitos em torno de si. Aliás, o melhor da arte - em todas as linguagens - é que é a única área do conhecimento humano que pode se dar ao luxo de não servir para absolutamente nada, caso queira. O resto é propaganda.)



Mesmo assim, é um filme cheio de imagens e diálogos poéticos sobre coisas que são ao mesmo tempo tão profundas e tão frugais. Ser feliz, amar sem medida, celebrar a vida - será que as pessoas à minha volta ainda se importam com isso? Estou numa idade em que amigos de infância, colegas de escola estão "dormindo de meia para virar burguês" - a adolescência já ficou para trás há algum tempo e a roda não pára de girar: a vida segue aquele roteiro pronto. "E aí, não vai casar? Ter filhos?" "E aí, já comprou seu apartamento, seu carro, sua casa no Guarujá?" Como se a vida fosse só isso. Às vezes me sinto deslocada com essas obrigações - que hoje sei que são puramente hipotéticas, possibilidades apenas. Eu me preocupo com carreira, trabalho, formar um patrimônio mínimo, mas se pensar só nisso, eu enlouqueço. Como disse minha amiga Caroline (Amorzona) uma vez: odeio ver poesia escorrendo pelo ralo. Aliás, na época em que ela disse isso, foi umas das épocas mais estranhamente felizes da minha vida: época de perdas definitivas, de luto, mas havia intensidade, a sensibilidade estava à flor da pele. Hoje, aparentemente estou bem melhor, mas este gosto de café morno me retorce por dentro.

Aí é que está: nem todo mundo tem a obrigação de ser como sou, romântica incorrigível que eternamente vê a vida como um espetáculo de vaudeville, kitsch, carregado nas tintas. Acho que a garota que vivia tudo e qualquer coisa em intensidade máxima está virando uma velha tola. Pensar nesta possibilidade me deixou um pouco triste, de ter que se adaptar aos novos tempos. Como fazer isso sem trair minha essência?

É melhor ser alegre que ser triste, disse o Poetinha, mas essa tristura me fez bem. Felicidade permanente é neurose. "Eu não tenho a obrigação moral de feliz", sempre bradou meu bufão. Esta tristurinha me lembrou o fato que não dá para ficar esperando tudo dos outros, colocar sua vida no saquinho, entregar e esperar que o mundo nos faça felizes, principalmente quando a gente se esconde dele, como eu estava fazendo. Uma hora eu pulo desse bote e saio nadando.

Toda este papo 'We are the world' me fez lembrar Beatles. Então fica de presente de Natal para minha parca seleta audiência e para todos que me ajudaram a chegar essa conclusão tão simples: All you need is love.




Love is the greatest thing that we have!