Para Silvia e a raça de Irene
Ah,
Irene. Saudades daqueles cabelinhos ralos.
Me
lembro dela cortando galinha. Ela me ensinava a cortar, mas sempre estourava o
fel e ela ficava nervosa, pois amargava a carne.
Era
sempre aquela galinha de cabidela com muita graxa. Vó cabocla do sítio, neta
bicho de cidade. E eu me perguntava: “De carro, vó?”
Não,
de sangue. Sangrar a bichinha até a última gota era de lei, mas eu não sabia.
Achava que não precisava e resolvi ajudar jogando o sangue fora. O vermelho foi
tingindo a terra seca e ela deu um tapinha de reprovação na minha mão. Depois
se arrependeu: não queria chatear minha mãe.
Ah,
que saudades de Irene. Do seu riso frouxo, do seu coração ensolarado. De mandar
as crianças irem brincar no terreiro, porque ia contar piada. Custa acreditar.
Sofria demais, amava demais. Mas tirava troça da dor.
Irene
não dava beijo, dava cheiro. E seu cheiro era de Alma de Flores.
Meu
coração é burro, Irene. Demorou a te compreender por completo. Não pude crescer
perto de suas risadas, de sua galinha cheia de graxa, mas sua presença tingiu
minha vida de vermelho, como a tigela de sangue que derrubei no terreiro.
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