Este texto é o primeiro da série "Aprendendo a amar", escrito em 2009. Dedicado a meus alunos, ex-alunos, colegas e principalmente para quem amou e se decepcionou, mas que deu a volta por cima!
Um dia no intervalo das aulas, uma conversa entre os professores: aquela escola estava muito parada ultimamente, era preciso animar o período da tarde. Então, é surge a idéia de fazer uma festa do dia dos namorados, já que a professora de inglês estava trabalhando com textos sobre São Valentim com as sétimas séries. O professor que quisesse entrar na dança era só contribuir com a sua idéia e a professora de inglês escreveria o projeto pedagógico da coisa.
A professora de Artes aderiu ao projeto na hora, mas com a dúvida de qual trabalho poderia fazer sobre seus alunos, afinal, se resolvesse trabalhar com Arte Erótica ou com o Nu na História da Arte poderia até ser exonerada do cargo, dado o moralismo indecente de sua época. Alguém soprou no seu ouvido para fazer cartões para correio elegante com as suas turmas. Ela, que normalmente xingaria quem deu essa idéia, dessa vez, sabe Deus porque, aceitou a idéia com simpatia.
Quando os alunos começaram a fazer os cartões nas aulas, ela entendeu porque ela topou fazer uma atividade que não tinha nada a ver com sua concepção vanguardista de Arte-Educação. A última vez que tinha feito correio elegante foi para as quermesses da Igreja, que tinham ficado para trás há um bom tempo. Tinha se esquecido a diversão que era aquele recorta-e-cola, somado à chuva de glitters, purpurinas, lantejoulas e corações feitos em série, como se fosse uma linha de produção.
Corações grandes, pequenos, em duplas, em trios e, em sua grande maioria, vermelhos. Todos de um vermelho pulsante, cor de cartolina comprada na papelaria da esquina. Lá pelas tantas, a professora se pergunta que cor estaria seu coração neste momento e apostou num azul, já que seu pobre coração andava um tanto gelado.
Não que seu coração nunca tivesse sido vermelho, só que da última vez que ele ficou vermelho foi de raiva, depois de uma decepção daquelas. Já estava recuperada do tombo, mas se deu conta, às vésperas de promover uma Festa do Dia dos Namorados com seus alunos, que tinha se fechado em copas para o amor. Como poderia reclamar que ninguém gostava dela? Ela não achava mais graça em ninguém. Todo mundo era feio, todo mundo era chato.
“Sou muito nova para ficar assim”, preocupou-se a professora. E sua preocupação foi ficando cada vez mais provinciana, apavorando-se com a idéia de se tornar uma professora solteirona típica, daquelas que usam “saia-lápis na altura do joelho, coque e óculos armação-tartaruga”. Sua preocupação, porém, durou poucos segundos, até um aluno cortar seus pensamentos com uma tesourinha sem ponta e dúvidas bem menos filosóficas: “É para cortar para direita ou para a esquerda, Prô?”
Longe da bagunça das salas, a professora foi avaliar o resultado da produção dos seus alunos. Contar os cartões, ver erros de português, essas coisas. Em contato com os corações, que ora escondiam, ora revelavam mensagens apaixonadas – tão clichês para os mais velhos, mas pura novidade para aquela molecada que está começando a descobrir os prazeres do amor – sentiu o seu próprio se aquecer. Entendeu o que seus velhos professores lhe diziam com: “Ensinar é via de mão dupla, a gente também aprende com nossos alunos”. Ela passou anos achando que isso era um bordão vazio, agora viu que era pura verdade. Graças a seus alunos e àquela bagunça de cartões sem fim, estava reaprendendo a amar.