sábado, 29 de maio de 2010

Frutos do acaso

Presenciei o exato momento em que uma folha caiu da árvore e tocou o asfalto. Em uma época nem tão remota, eu e meus colegas de classe ficávamos na hora da saída no pátio externo da escola, apostando quem conseguia pegar as flores que caiam antes de tocar o chão.


E fiquei pensando no acaso. Por toda minha vida escutei que nada ocorre por acaso e que uma folha não cai de uma árvore sem que Deus permita. Esta visão fatalista influenciou a minha vida inteira. Eu sinceramente pensava a vida como um roteiro de filme, como se ela fosse assim, estética e arquitetada.


Apenas hoje vejo como tudo isso é uma grande bobagem. Somos frutos do acaso, nascemos por acaso. Por acaso era aquele óvulo, por acaso era aquele espermatozóide. Por acaso nasceu de proveta, por acaso foi clonado.


Crer que tudo é por acaso para mim é tão fatalista quanto crer que nada é por acaso. O ser humano não se conforma com isso. E tenta dominar a própria vida. Gente assim é realmente admirável, também não dá para esperar banda passar o tempo todo. Mas é preciso ter em mente que estamos só minimizando riscos e a desconfortável sensação de sermos marionetes do Destino... Aliás, isto existe?


Há algumas ocasiões em que tudo se encaixa tão perfeitamente que até parece que a vida é mesmo um roteiro arquitetado, como se fôssemos mesmo predestinados. Besteira, a gente corre atrás das experiências que precisa viver, mesmo que inconscientemente. E quando acontece, pensa-se no acaso ou no destino e não é nem uma coisa nem outra, é o anti-acaso. Quem procura, acha, oras. O ser humano tem essa necessidade de buscar sentido na vida, mas colocar essa tarefa a cargo de um destino que talvez nem exista, é fria.

Sou completa vítima do acaso. O acaso impera, o caos reina.

*Crédito da imagem: cena de Anticristo, de Lars Von Trier.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Raro caso de abdução

Fui abduzida. Totalmente retirada deste universo, durante os aproximadamente 7 minutos da Ária das Bachianas Brasileiras nº5, a Cantilena, na voz de Bidu Sayão. Engraçado, que abduções musicais raramente me acontecem com a música chamada erudita ou orquestral, pelo menos com gravações. (Sempre achei que nada substitui assistir uma boa orquestra ao vivo, se você estiver numa sala de concertos de acústica formidável como a São Paulo, é capaz de sentir a vibração da música até nos ossos, é uma experiência transcendental para quem ama música e a escuta até pelo fígado, como eu. E existe gente assim aos montes, felizmente.)





Mas estamos falando de Villa-Lobos, então essa discussão sobre ser ou não música erudita, de concerto, o que seja, é pura bobagem. A obra que ele deixou não conhece fronteiras entre popular e erudito, virou até lugar-comum dizer isso. Conheço ainda pouco sua obra - muito aquém do que todo brasileiro devia conhecer até de trás pra frente - e até então admirava, mas já não admiro mais. Hoje, passei a amá-la. Também, como todo brasileiro poderia amá-la, do fundo da alma, de verdade, caso conhecesse com propriedade.

É incrível como poucas pessoas sabem de fato quem foi esse compositor brasileiro admirado e executado em todo o mundo. Como já observou o caro colega ex-famosp, dar o nome de Villa-Lobos, para parques e shoppings é pouco e 50 anos após a sua morte, sua obra sequer foi catalogada ainda.

Pelo menos eu estou fazendo minha parte de professorinha de Artes. Passei a semana lendo o Crianças Famosas do Villa para a molecada das quartas séries. E está fazendo sucesso. A primeira pergunta - Prô, tem a ver com o Parque Villa-Lobos? Fazer esta associação já é um começo. Quisera eu ter ouvido Villa ainda criança e na escola!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sem querer, saiu sem título. Precisa? Então, Sorria!

É, acho mesmo que tenho menos a dizer, os TM não carregam mais a intensidade e a urgência do seu início. E como eu odeio a vida assim, em marcha lenta. Tudo bem, não tenho sofrido por conta de problemas imaginários, mas cadê a sensação de vento na cara, de vida à flor da pele? Droga, gosto mesmo é de uma Montanha Russa.


Evidente, porém, é que não vesti meu pijama de bolinhas e me dei por vencida. Caras como Brian Wilson não permitem que eu faça isso, nem de brincadeira. Explico: ouça Smile, mais do que isso, mergulhe neste álbum e em sua incrível história.


Em algum domingo perdido de 2009, depois de um ensaio, estavam lá os In-pessoa de bobeira em frente à TV. Quer coisa mais prosaica que assistir televisão na casa do vizinho? E eis que cai em nossos olhos, um documentário sobre o Brian Wilson, líder dos Beach Boys, do qual costuma-se dizer simplesmente que foi o único cara que ficou pau a pau com os Beatles, enquanto o resto da música pop sequer fazia cócegas no Fab Four, por ter feito o Pet Sounds (1966), após ter ficado literalmente enlouquecido ao ouvir Rubber Soul, e ter se determinado a fazer algo melhor. Conseguiu. Paul McCartney e George Martin fizeram reverências ao álbum, hoje devidamente sorvido por mim, que agora posso engrossar um coro de vozes que dura mais de 40 anos a dizer: é uma obra-prima. Sem exageros.


Os Beatles se propuseram a superar Pet Sounds, saiu Sgt. Peppers. Para quem gosta e entende de (boa) música pop, dizer isso basta. Brian Wilson ficou louco mais uma vez e se trancou no estúdio para gravar Smile. E aí que começa este tal documentário que assisti com os meninos. Wilson se atirou tanto na tarefa de produzir este álbum, tanto, mas tanto, e não chegou a concluí-lo na época. Ele compunha sozinho enquanto os outros Beach Boys saíam de turnê, isso mesmo antes de Pet Sounds. A loucura de Smile é tanta que os componentes do grupo não aguentaram o tranco, foram abandonando o projeto. E ele ficou sendo o álbum que mudaria a história do rock, que superaria a genialidade de Sgt. Peppers, tudo assim, no futuro do pretérito. Brian Wilson, 24 anos à época, já com uma saúde mental frágil, por pouco não sucumbiu. Anos depois, ele retira das catacumbas partituras, gravações incompletas, tudo, e parte para a missão de mergulhar na sua catarse e concluir, em 2004, a gravação de Smile, agora como um álbum solo de Brian.


Quando o programa acabou, fiquei catatônica, como fico quando me espanto diante da beleza. Primeiro, da história. A viagem, não só do artista, mas do ser humano, que desceu ao seu próprio inferno e voltou vivo, é comovente. Sem pieguices, fiquei realmente emocionada com isso. Depois, do álbum. Somente a sua história o faria surpreendente. 34 anos para ficar pronto! Mas ao ouvir o álbum, eu dei graças ao Barbudão por ele ter sido concluído.
Não sei mais o que dizer, estou desconcertada. Com o álbum, com a sua história, com a tarde besta que me levou a conhecê-lo. Chega. Veja e ouça, será que ainda terá algo a ser dito?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Silêncio

Foi-se o tempo em que era nostálgica.
Também deixei de ser verborrágica,
Quanto menos, melhor.
Já não faz mais sentido derramar-se em tantas palavras,

parece desperdício.
Sim, elas ainda são um vício.
Uma epopeia não é mais o que me distrai
Agora prefiro um haikai,

Um suspiro, um espanto,
Uma dose de desencanto.
A experiência está chegando e não sei mais

Se tenho menos a dizer ou se é tanto
A ponto de palavras em excesso parecerem
Absurdamente desnecessárias.