segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Feliz Fim do Mundo (como conhecíamos)

Para José Renato, meu querido irmão caçula
Desapego é bom. Faz-nos perceber que a vida, em sua transitoriedade, se faz eterna e que ela é maior que nossos desejos.
Entretanto, sempre vivo uma tensão a respeito de minhas memórias, sobretudo as físicas. O que manter e o que mandar para o Buraco da Memória? Porque os arquivos são poderosos quando revisitados, tanto que faço isso com certa dificuldade. Confrontar-se fisicamente com seus manuscritos de anos atrás, as roupas que não te servem mais, sua voz desafinada da sua primeira vez num estúdio. Não é a mesma coisa que digitalizar, colocar na nuvem, virtualizar. Sentir o gosto é necessário, esquisito e às vezes, muito incômodo.
É preciso revisitar as nossas memórias mais dolorosas. Voltar a fita, revirar nosso Relicário de Lembranças Adoradas. Rir com as nossas bobagens, chorar pelo que se foi. Cheirar aquela camiseta velha e abraçar-se com ela. Sentir saudade.
Em todo caso, desconfio demais dessa “era do desapega”. Não é possível se DESapegar, se você nunca se apegou a nada. Acha que foi fácil me livrar do meu cobertor velho de criança, o qual eu literalmente comia, fio a fio? Uma hora aquilo fedia. Minha mãe deu seu jeito! (Risos). Então, o que muita gente chama de “desapego” pode ser, na realidade, um profundo e completo... descaso.
E sabe de uma coisa? Esse tipo de “desapego” não me interessa nem um pouco. O que raspa a minha superfície é o que me faz cantar. Eu não sou blasè, não sei como se faz isso e nem quero. Amo de um jeito old school e realmente acho esse desapego desmemoriado uma bosta.
Isso não significa que eu não parta nunca, ou que não deixe partir: a hora exata de devolver uma conchinha para o mar depois de admirar sua beleza por um tempo, ou de assoprar a joaninha que pousou no seu dedo (mas não antes de se ter um ataque de fofura) é uma arte. Há que se ter um bocado de ritmo para abraçar e para soltar. Dançar com a vida.
É preciso celebrar os finais, seja com uma canção alegre ou com alguma dose de melancolia. Porque se der ponto sem nó, o tecido da vida se perde, se esgarça. Aí não tem graça.
Flávia Teodoro Alves

20/01/2017