Para José Renato, meu querido
irmão caçula
Desapego
é bom. Faz-nos perceber que a vida, em sua transitoriedade, se faz eterna e que
ela é maior que nossos desejos.
Entretanto,
sempre vivo uma tensão a respeito de minhas memórias, sobretudo as físicas. O
que manter e o que mandar para o Buraco da Memória? Porque os arquivos são
poderosos quando revisitados, tanto que faço isso com certa dificuldade.
Confrontar-se fisicamente com seus manuscritos de anos atrás, as roupas que não
te servem mais, sua voz desafinada da sua primeira vez num estúdio. Não é a
mesma coisa que digitalizar, colocar na nuvem, virtualizar. Sentir o gosto é
necessário, esquisito e às vezes, muito incômodo.
É
preciso revisitar as nossas memórias mais dolorosas. Voltar a fita, revirar
nosso Relicário de Lembranças Adoradas. Rir com as nossas bobagens, chorar pelo
que se foi. Cheirar aquela camiseta velha e abraçar-se com ela. Sentir saudade.
Em
todo caso, desconfio demais dessa “era do desapega”. Não é possível se
DESapegar, se você nunca se apegou a nada. Acha que foi fácil me livrar do meu
cobertor velho de criança, o qual eu literalmente comia, fio a fio? Uma hora
aquilo fedia. Minha mãe deu seu jeito! (Risos). Então, o que muita gente chama
de “desapego” pode ser, na realidade, um profundo e completo... descaso.
E
sabe de uma coisa? Esse tipo de “desapego” não me interessa nem um pouco. O que
raspa a minha superfície é o que me faz cantar. Eu não sou blasè, não sei como se faz isso e nem quero. Amo de um jeito old school e realmente acho esse
desapego desmemoriado uma bosta.
Isso
não significa que eu não parta nunca, ou que não deixe partir: a hora exata de
devolver uma conchinha para o mar depois de admirar sua beleza por um tempo, ou
de assoprar a joaninha que pousou no seu dedo (mas não antes de se ter um
ataque de fofura) é uma arte. Há que
se ter um bocado de ritmo para abraçar e para soltar. Dançar com a vida.
É
preciso celebrar os finais, seja com uma canção alegre ou com alguma dose de
melancolia. Porque se der ponto sem nó, o tecido da vida se perde, se esgarça.
Aí não tem graça.
Flávia Teodoro
Alves
20/01/2017